Tive um sonho mau. Não sabia bem onde estava. Um sítio estranho e escuro. Uma figura saiu de uma espécie de neblina como um D. Sebastião não desejado. Era esguia e de contornos imprecisos. Algo sinistra. Arrisquei perguntar: -Onde estou? A figura esfíngica fez um esgar assustador e disse em palavras marteladas: -Não sabes onde estás? Eu vou-te dizer: estás no mundo dos mortos. -Confesso que me assustei. Que raio fazia ali, se ainda não tinha gozado a minha reforma. Tinha saído (...)
Por um acaso, por uma daquelas reminiscências inexplicáveis, que de quando em vez no batem à porta, vi-me transportado para os tempos longínquos da juventude, quando tive de ser militar à força. Por acaso ou obra do destino, fui parar a regimento de Artilharia de Costa, único que não dava mobilização para a guerra colonial, e no âmbito desta unidade a um pequeno aquartelamento de defesa da costa atlântica, no alto da Trafaria. Ali estava um destacamento de cerca de duas dezenas (...)
Entrei a carruagem do metro a uma hora tardia. Hora morta, diz a voz corrente. Pouca gente e muitos lugares vazios. Sensação de vazio. Sentei-me num lugar junto à janela. Reminiscência da mítica idade infantil, quando fazia birra para ter um lugar com vista para a paisagem, nos comboios que “pouca terra, pouca terra”, pintavam a paisagem de cinzento, com o fumo que exalavam, como fumador viciado, da chaminé da máquina a vapor. Reparei que à minha frente se sentava (...)
Para o leitor compulsivo entrar numa livraria é como para o crente religioso entrar na sua igreja. Com respeito e devoção. Percorre os altares, no caso prateleiras, Presta veneração aos santos, ou seja aos livros e aprecia os milagres que fazem na mente dos fiéis, os seus leitores. De quando em vez, arranca um livro à pasmaceira do seu dia-a-dia e consulta-o, porque o livro gosta de ser folheado e de partilhar com o leitor a sua intimidade. Acredito que livro sem leitor vive triste (...)
No tempo em que o engate fazia parte do meu quotidiano, fui convidado por companheiros de “route” para um baile particular, numa espécie de salão de bombeiros. O intuito era reunir malta jovem vinda de distantes regiões do país e que vivia numa zona da cidade grande, para tirar, num corpo a corpo ritmado, um sarro com umas macacas, expressão usada por um amigo meu,o Joaquim, creio que com sentido carinhoso. Na hora marcada compareci com a minha turma para dar o anunciado pé de (...)
Todas as idades têm o seu encanto. Na infância a inocência. Na juventude a ingenuidade. Na idade adulta a maturidade. Na velhice a experiência. Grosso modo e de uma maneira simplista. Estou na fase da experiência o que significa que já passei por todas as outras, com mais ou menos variantes. Cada caso é um caso.
Eu, sempre acompanhado da minha experiência, de alguma inocência e de ingenuidade quanto baste, mantenho o antigo ritual de me sentar na mesa de um café a tomar uma (...)
O homem escrevia crónicas numa página de um jornal inventado. Escrevia crónicas sobre tudo e sobre nada. Dominava o verbo como poucos. Debitava ideias ponderadas e buriladas até à exaustão. Não cometia um erro de sintaxe nem um deslize semântico. Tudo no seu lugar: não se esquecia de um ponto, não falhava uma vírgula, exclamações quanto baste, os verbos na conjugação certa, os adjectivos no grau adequado, os advérbios e as conjunções no sítio preciso. As suas ideias (...)