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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Este fim de semana tive uma recaída e voltei ao shopping. Confirma-se. Por mais que resista o criminoso volta sempre ao local do crime. Desta vez, como sempre caí numa livraria. Entro nesse sitio, como é lógico, para ver livros, mas gosto também da envolvência. Nesta visita senti-me perdido como um náufrago a afogar-se num mar de barras de ouro. Nem vivalma circulava por ali. Livros sozinhos, tristes, solitários, esquecidos em prateleiras, sem uma mão amiga que lhes faça um afago, sem um olhar que dê vida a letras, palavras e frases tirando-as da sua letargia, roubando-as da comodidade do papel onde repousam e recriando estórias que querem contar. Nem um brilho de um olhar com trocar fugidios cumplicidades. Será da crise? Será medo da troika? Será que a cultura se levanta como um perigo para o reino cavernoso da austeridade? Saí desiludido.

 

Rumei a outras paragens. Entrei, consciente dos perigos, no hipermercado. Aqui sim, voltei a cruzar-me com gente de carne e osso ( às vezes bem mais carne) gente aparentemente feliz sem livros. Carrinhos cheios de tudo e de nada. Necessidades e superfluidades. Cruzei-me com uma dama que passou como uma nuvem passageira (passe o pleonasmo) envolta num longo e alvo vestido rendado, que me prendeu a atenção.  Trocamos um olhar tão ocasional, tão fugaz como a luz de um pirilampo. Continuou na direcção da secção de roupa feminina. Enterneci-me com uma jovem que discreta e tímida agarrou um livro e o transportava, da livraria do hipermercado, com a ternura de quem segura um bebé. Deus a conserve. Os meus olhos, esquecidos da dama fugidia, apaixonaram-se pela capa de um livro que me chamava. Chama-se Barca Velha. Barca Velha é também nome de vinho. Que junção fabulosa! Há lá coisa melhor, casamento tão perfeito? Literatura e vinho ou vinho e literatura. Estou recompensado.

 

O livro Barca velha foi escrito por Ana Sofia Fonseca, uma jornalista que alia competência a um belo palminho de cara. (não vem ao caso mas não consigo evitar a observação) Inteligência, beleza e bela escrita eis a rosa que fecha o ramalhete. Ana Sofia Fonseca conta a história deste vinho nascido em 1952. Da terra que o gera, do Douro que o amamenta, da gente que o alimenta com o suor do seu rosto, da alquimia que o embala desde o mosto até à garrafa que o encorpa, do amor do seu criador, Fernando Nicolau de Almeida. O homem que antes de Saramago inventou o homem duplicado: austero na educação dos filhos a quem impunha regras e restrições rigorosas, como não puderem frequentar os espaços dos adultos. (quando o faziam trajavam a rigor) De tempos a tempos fazia-se desaparecer para dar lugar a um suposto irmão gémeo que vivia no Brasil e que fazia a sua aparição na proa dum rabelo vestido de caqui e chapéu colonial . Esta personagem exótica era o alter-ego de Fernando Nicolau de Almeida. Trazia consigo a inversão de comportamentos. As crianças com ele frequentavam todos os espaços ,desarrumavam, saltavam pelas cadeiras, faziam as maiores tropelias. Um regabofe. O que a força do amor filial inventa para ultrapassar convencionalismos? 

 

Pousei o livro e as suas encantadoras histórias, sonhei com o vinho não disponível neste local e portador de um preço proibitívo para muitas bolsas. (já há oito anos que não aparecia à venda) Saí da catedral do consumo dando asas à imaginação. Quem sabe se um dia não me sento em vale Meão com o  Douro no horizonte, a saborear curiosas histórias com um copo cheio de Barca Velha e ao lado da jornalista Ana Sofia Fonseca. Impossível? Não dizem que o sonho comanda a vida.

 

MG

 

 

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