Sermão do senhor Passos aos crédulos
cartoon de João Fazenda (Visão)
Texto imaginado a partir deste cartoon.
Vós sois os meus ouvintes preferidos: não falais, não ouvis, não sentis fome, nem sede, não "olfactais" o cheiro discreto do dinheiro, não vedes o opróbrio as injustiças a "sacanagem" a exploração. Em verdade gosto de vocês pois sois verdadeiramente simples. A vós que não tendes os defeitos dos homens, que ouvis sem ouvir, digo-vos que menti com quantos dentes tenho e são muitos, para chegar a esta função. E se pudésseis falar que não podeis o que me permite falar por vós, perguntar-me-íeis: mas é ético e correcto subir na vida enganando o semelhante? E eu digo-vos, mesmo que não ouvis, que nunca enganei o meu semelhante, pois na vida todos somos aparentemente semelhantes mas alguns são mais semelhantes que outros. Os que de facto enganei foram os, digamos, menos semelhantes, os eternos crédulos, os que se perdem nos cantos das sereias, os que deram, dão e darão sempre para o mesmo peditório. Porque, em verdade, é assim o mundo e não fui eu que o fiz. Acreditai!
Vós sois simples e felizes. Viveis num mundo de faz de conta. Tendes boca mas não comeis. Isso é bom, muito bom, porque nunca podeis sentir um murro no estômago como aquele que dei com toda a gana aos reformados, funcionários, os que se puseram a jeito e os que não se puseram. Sorte de vós que não tendes estômago, problema daqueles que o têm. E mais uma vez vos digo, que não fui eu que os fiz assim, com boca e estômago. Melhor fora que como vós não o tivessem. Melhor fora que tivessem apenas braços e pernas. E se vós que tendes boca mas não falais, como deve ser, pudésseis falar certamente me perguntaríeis se também poderiam viver sem cérebro. Não só poderiam como seria de todo conveniente. Vós não conseguis imaginar, o que se poupava no ensino. Até se podia implodir o Ministério da Educação como era vontade do ministro no tempo em que estava na oposição. Nem precisaria agora de estar a mandar esses tipos, que se querem manter como professores, para o mercado de língua portuguesa. Exportar tudo o que mexe é que é. E depois para que serve o conhecimento à plebe? É só para complicar. Até os governantes não precisam dele para nada. Se até houve um ministro quem sem pôr o pé numa Universidade se licenciou para que serve andar a derreter dinheiro com investigação? Acreditai!
Vós sois simples; mais que simples sois simplórios. Ainda não podeis votar, mas se pudésseis, certamente votaríeis em mim como outros tansos o fizeram e espantai-vos! continuam dispostos a fazê-lo. E isto mesmo depois de lhes cortar os subsídios de férias. Ainda há para aí uns ignorantes que teimam em protestar. Ignorantes porquê? Eu digo-vos: ignorantes, ingratos e piegas. Vede que nem percebem que os estou a aliviar de vícios que nunca deviam ter adquirido. "Às vezes parece que gostam de sarna para se coçar". Não querem se exigentes e choram lágrimas de crocodilo. " Nós nunca seremos piegas, nem nunca teremos pena desses coitadinhos". A nossa missão é fazê-los sofrer. No sofrimento está a salvação. Acreditai!
Vós que sois simples, ingénuos, patetas alegres, pobres de espírito, estais no bom caminho. Apoiais-me sem reservas. E aqueles que pensam que eu governo para ganhar eleições estão enganados. "Que se lixem as eleições". Se as houver logo se vê. Perguntai, perguntai? Quereis saber se as eleições não são um desiderato constitucional num Estado de Direito? Ouvi esse santo profeta de nome Medina Carreira: Estado de Direito e Constituição não enchem barriga. E os parolos que fazem andar a engrenagem ainda a têm. E não fui eu que os fiz assim. Tenho é de salvar Portugal e quando acontecer "Todas as dificuldades por que passámos servirão para alguma coisa quando mantivermos boa consciência do que se passa à nossa volta, quando não nos comportarmos como baratas tontas e soubermos bem para onde ir". Vós que sois simples não sabeis, mas eu sei muito bem o que quero e para onde vou. E a vós que sois bonecos e me ouvis (ou não) em silêncio digo que o rumo está traçado: vou salvar-vos, quer queirais quer não. Olhai para os sinais: já se anuncia com trombetas a recuperação; já se vê o emprego a bater à porta; Diríamos se tivésseis voz que a dívida aumenta, que os rendimentos dos cidadãos diminuem, que a emigração leva a alma e os cérebros da nação. Digo-vos porque não podem ouvir que é verdade. Mas o povoléu come todas as tretas que eu debito. E gostam. E merecem. Acreditai!
MG
PS Texto publicado em 2012. Em face do foguetório que por aí grassa é hoje reposto depois de revisto e actualizado