12 Jun, 2014
O povo unido nunca mais será vencido
Depois da fome, da guerra
Da prisão e da tortura
Vi abrir-se a minha terra
Como um cravo de ternura
E agora o povo unido nunca mais será vencido
Este poema de Ary dos Santos que foi canção ícone da revolução dos cravos é exemplificativo do exagero ingénuo dos poetas. Por duas ordens de razões: a primeira é que o povo nunca foi unido; a segunda é que sempre foi e continuará a ser vencido. O povo aqui visto como a classe produtora, aquela que produz a riqueza, mas que dela não é a maior beneficiária e sempre esteve dividido.
No caso da revolução de Abril, essa divisão foi evidente logo durante o PREC. De um lado estavam os partidários da instalação de outra ditadura, de rosto esquerdista, e do outro os defensores de um regime democrático parlamentar. Dessa luta que atravessou o verão quente de 1975, saiu vencedora a solução democrática encabeçada pelo PS e Mário Soares, atrás da qual se escondia toda a direita envergonhada e assustada.
Logo os partidos da via comunista se renderam à democracia e se adaptaram aos novos tempos. O certo é que essa divisão inicial se manteve grosso modo com cambiantes. E o que se constata é que não é uma divisão entre ricos e pobres, entre exploradores e explorados. É uma divisão dentro da classe popular. E são os partidos que se reivindicam, com propriedade de representantes do povo, que o dividem. Para além disso, os partidos da direita, maquilhados de defensores do interesse popular, conseguem arregimentar, contra-natura parte desse eleitorada.
Assim chegamos à situação actual. Passo a passo a direita dos interesses, com o apoio daqueles que explora, foi aumentando o seu poder. Hoje a arrogância da exploração já não se contenta em retirar direitos que foi forçada a ceder. Divide cada vez mais, atiçando divisões entre gerações ou entre público e privado. Hoje os detentores do poder ousam desrespeitar a própria democracia e as suas instituições. Anos depois de Abril o povo que nunca esteve unido, está cada vez mais dividido. E o mais preocupante é que ainda não percebeu que é um peão de brega nas mãos dos poderosos.
MG