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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

02 Nov, 2014

O poeta solitário

Rita (nome fictício) entrou na sala de professores com um ar estranhamente afogueado. A professora na casa dos cinquenta dirigiu-se a uma colega com quem partilhava cumplicidades e entregou-lhe um pequeno e perfumado pedaço de papel. Encontrei-o no para brisas do carro, no estacionamento do pingo doce. (passe a publicidade que o unhas de fome do Jerónimo Martins não me paga nem um cêntimo furado) A colega solicitada leu um pequeno texto em letra de forma: 

 A MULHER É COMO O VINHO

 QUANDO TEM QUALIDADE

 SE TRATADA COM CARINHO

 MELHORA COM A IDADE

 

 OS MEUS OLHOS GANHAM BRILHO

 O MEU CORAÇÃO ACELERA

 MESMO QUE ARRANJE SARILHO

 ESTOU FIEL À SUA ESPERA

 

ADMIRADOR CONFESSO

DA SUA CALMA BELEZA

DE CORPO E ALMA ME OFEREÇO

 

E COM TODA A GENTILEZA

ESTOU CONVICTO QUE MEREÇO

SER SÚBDITO DE VOSSA ALTEZA

 

CONTACTE-ME: 9xxxxxxx

 

  

"Fiquei muito perturbada" disse a assim assim casada Rita, procurando controlar a emoção na voz. Vou-te fazer uma confidência de mulher para mulher: tenho as hormonas aos saltos de tal maneira, que até me cresceram as mamas. Depois de desabafar, Rita foi ganhando serenidade e procurou esquecer o incidente. Entretanto o acontecimento foi passando de boca em boca até ser conhecido por toda a comunidade docente. E de tal modo pegou nas mentes femininas, que os habituais cumprimentos foram substituídos entre o mulherio pela frase, "hoje já foste ao pingo doce?". E porque a língua portuguesa é muito traiçoeira as respostas variam de acordo com a protagonista. Assim uma trintona à toa na vida respondeu: já fui ao pingo doce mas continuo na amargura. Uma quarentona mal casada garantiu: já fui ao pingo doce toda empinocada mas ninguém me viu. Uma recentemente descasada que arranjou passarinho novo confessou: já lá fui (sem ter ido) e dei-me muito bem.Repito: a língua portuguesa é mesmo muito traiçoeira.

 

Tenho estado a matutar no desvario que vai na cabeça de tanta dama, e concluio que naquele parque de estacionamento, deve haver um  constante corropio. Até começo a ter pena do poeta sedutor. Com tanta oferta não vai ter mãos a medir, nem vai dar conta do recado. Em verdade garanto que estava a pensar reformar-me nessa área. Contudo, a minha costela solidária está-me a empurrar para o terreno a fim de ajudar o assorbebado sedutor. Não sei se sou poeta e sedutor, admito que seja mas pouco. Mesmo assim vou montar banca num pingo doce perto de si, para procurar dar resposta a tão prementes necessidades. De tal modo que já comecei a alinhavar uns versos adequados a diversas situações. Se aparecer uma com as medidas bem certinhas escreverei:

 

Nem a Vénus de Milo

em todo o seu esplendor

 exalava tanto estilo

e emanava tanto amor

 

Se a candidata for mais para as formas arredondadas arrisco:

 

 No dia mais luminoso

 ou na noite mais escura

 essas formas sinuosas

 são poemas de ternura

 levam um santo à loucura

 

Se tiver olhos azuis:

 

Olhos de grande beleza

que fazem lembrar o mar

e só tenho uma certeza

neles me quero afogar

 

Se tiver um jeito inseguro:

 

 Essa postura insegura

segura de formosura

esconde uma alma pura

Que precisa de ternura

  

Se tiver um aspecto algo deslavado:

 

Nem tudo o que brilha é ouro

em nada existe certeza

o mais famoso tesouro

pode não estar na beleza

 

Se for pouco avantajada:

 

A mulher e a petinga

têm o charme das rosas

podem ser bem pequeninas

mas até são mais cheirosas

 

E por aí fora. Terminarei sempre com esta quadra:

 

Eu não sou um pinga amor

sou um homem de respeito

e estou aqui com fervor

prá receber no meu peito

 

 

E pronto. Agora é só lançar o anzol e esperar que o peixe pique na minhoca, especialmente o esfomeado. Agora é só lançar a escada para socorrer as aflitas. Agora é semear e esperar que a fruta amadureça e me caia no regaço. Espero no entanto que a colheita não seja em excesso se não o feitiço  pode virar-se contra o feitiçeiro. E aí  vou-me arrepender por me meter onde não sou chamdo, só por causa da minha costela solidária. No princípio foi de uma costela solidária que nasceu a mulher, agora e neste caso pode lixar o homem.

 

MG