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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Está novamente na ordem do dia. O incidente/acidente que matou seis jovens estudantes na praia do Meco reacendeu a discussão sobre os rituais universitários designados como praxes. Acontece sempre que se dão incidentes graves. Durante algum tempo o assunto será debatido até à exaustão. Depois cai um silêncio ensurdecedor sobre as tais práticas. Desculpem a interrupção, as praxes continuam.

 

A fim de perceber a razão de ser destes actos, chamados de integração, tem se recuar bastante no tempo. Com base numa pesquisa linear constatei que essa prática surgiu na Universidade de Coimbra que possuía jurisdição própria e em moldes muito diferente dos actuais. Designada como "investida" foi proibida no século XVIII pelo rei D. João V, depois da morte de um aluno. No século XIX, estes rituais de iniciação baptizados de "caçoada" e "troça" atingiram picos de grande violência. Com o advento da República as praxes foram proibidas sendo repostas em 1919. Na vigência do Estado Novo não eram praticadas em todas as escolas superiores, sendo consideradas alienantes pelos estudantes democratas. Após o 25 de Abril de 1974 a praxe foi rejeitada pelos estudantes e considerada uma actividade de conservadorismo social. A partir dos anos oitenta a praxe académica foi sendo paulatinamente reactivada.

 

Conclui-se, grosso modo, ao longo do tempo que mais que formas de integração, as práticas têm sido rituais de exclusão e de desintegração, associadas a violência. Como o demonstram as comissões anti-praxe esta prática académica não é consensual no meio universitário. Mas o mais grave e o mais assustador é que a adesão a praxes não é um acto livre. A recusa de participação nesta prática é passível de represálias, tão ou mais gravosas das que usadas nos cerimoniais. Neste sentido, a praxe aparece como um acto coercivo. E para além da coerção os rituais aplicados aos caloiros baseiam-se em princípios de violência física e psicológica. Não visam qualquer forma de integração. Ao contrário, são humilhações praticadas por indivíduos que se auto-promovem pela antiguidade. Não formam cidadãos livres. Antes pelo contrário, contribuem para a aceitação de práticas autoritárias, de obediência sem oposição a um poder sem legitimidade. Caricaturando, ou talvez não, é o regresso de práticas fascistas ao microcosmos universitário. Estamos perante uma obediência cega e sem direito a contestação.

 

Embora haja algum acaso nos devir dos acontecimento há, também, uma razão de ser. Umas das explicação para a exponenciação deste fenómemo parece estar relacionado com as mudanças económicas e sociais das últimas décadas. A melhoria no nível de vida das pessoas associada a uma ideia de prosperidade sem fim, incutiu na mentalidade das novas gerações um espírito de facilitismo que os distraíu do sentido de responsabilidade. A sensação do "dado e arregaçado" sem ter de lutar por objectivos conduz ao conservadorismo elitista, bem presente na recuperação de trajes académicos. Por outro lado, o sistema educativo falhou na divulgação da história e de valores de referência com incidência no respeito pelo outro.

 

O eclodir de situações limite despoleta indignação e traz mais uma vez para a ordem do dia a natureza das praxes. O debate esgota-se à volta da sua natureza e nunca em se faz em relação à sua legitimidade. A questão é que não há práticas boas e más. Todas são más. Todas trazem consigo o desrespeito da dignidades humana. Todas são dirigidas por personagens que, à margem da lei, ofendem e insultam do alto da sua estupidez. Todas se baseiam no princípio de que hoje és oprimido mas amanhã oprimirás. É uma espécie de uma bolsa de barbárie que no futuro se pode replicar na sociedade. E tudo isto se passa debaixo do nariz do poder universitário e da indiferença do poder político. Lavam as mãos e assobiam para o lado. Admitem que a vida universitária seja um carnaval permanente.

 

MG