Namorar não tem idade, nem dia
Rita (nome fictício) entrou numa sala de professores com um ar estranhamente afogueado. A professora na casa dos cinquenta dirigiu-se a uma colega com quem partilhava cumplicidades e entregou-lhe um pequeno e amarrotado pedaço de papel. Encontrei-o no para brisas do carro, no estacionamento do pingo doce. (passe a publicidade que o unhas de fome do Jerónimo Martins não me paga nem um cêntimo furado) A colega solicitada leu um pequeno texto em letra de forma:
A MULHER É COMO O VINHO
QUANDO TEM QUALIDADE
SE TRATADA COM CARINHO
MEHORA COM A IDADe
OS MEUS OLHOS GANHAM BRILHO
O MEU CORAÇÃO ACELERA
MESMO QUE ARRANJE SARILHO
ESTOU FIEL À SUA ESPERA
ADMIRADOR CONFESSO
DA SUA CALMA BELEZA
DE CORPO E ALMA ME OFEREÇO
E COM TODA A GENTILEZA
ESTOU CONVICTO QUE MEREÇO
SER SÚBDITO DE VOSSA ALTEZA
CONTACTE-ME: 9xxxxxxx
Fiquei muito perturbada disse a descasada Rita, procurando controlar a emoção na voz. Vou-te fazer uma confidência de mulher para mulher: tenho as hormonas aos saltos de tal maneira, que até me cresceram as mamas. Depois de desabafar Rita foi ganhando serenidade e procurou esquecer o incidente. Entretanto o acontecimento foi passando de boca em boca até ser conhecido por toda a comunidade docente. E de tal modo pegou nas mentes femininas, que os habituais cumprimentos foram substituídos entre o mulherio pela frase, "hoje já foste ao pingo doce?". E porque a língua portuguesa é muito traiçoeira as respostas variam de acordo com a protagonista. Assim uma trintona à toa na vida respondeu: já fui ao pingo doce mas continuo na amargura. Uma quarentona mal casada garantiu: já fui ao pingo doce toda empinocada mas ninguém me viu. Uma recentemente descasada que arranjou passarinho novo confessou: já lá fui (sem ter ido) e dei-me muito bem.Repito: a língua portuguesa é mesmo muito traiçoeira.
Tenho estado a matutar no desvario que vai na cabeça de tanta dama e começo a concluir que naquele parque de estacionamento deve haver um constante corropio. Até começo a ter pena do poeta sedutor. Com tanta oferta não vai ter mãos a medir, nem vai dar conta do recado. Em verdade garanto que estava a pensar reformar-me nessa área. Contudo, a minha costela solidária está-me a empurrar para o terreno a fim de ajudar o assorbebado sedutor. Não sei se sou poeta e sedutor, admito que seja mas pouco. Mesmo assim vou montar banca num pingo doce perto de si para procurar dar resposta a tão prementes necessidades. De tal modo que já comecei a alinhavar uns versos adequados a diversas situações. Se aparecer uma com as medidas bem certinhas escreverei:
Nem a Vénus de Milo
em todo o seu esplendor
exalava tanto estilo
e emanava tanto amor
Se a candidata for mais para as formas arredondadas arrisco:
No dia mais luminoso
ou na noite mais escura
essas formas sinuosas
são poemas de ternura
levam um santo à loucura
Se tiver olhos azuis:
Olhos de grande beleza
que fazem lembrar o mar
e eu tenho uma certeza
neles me quero afogar
Se tiver um jeito inseguro:
Essa postura insegura
segura de formosura
esconde uma alma pura
Que precisa de ternura
Se tiver um aspecto algo deslavado:
Nem tudo o que brilha é ouro
em nada existe certeza
o mais famoso tesouro
pode não estar na beleza
Se for pouco avantajada:
A mulher e a petinga
tem o charme das rosas
podem ser bem pequeninas
que até são mais saborosas
E por aí fora. Terminarei sempre com esta quadra:
Eu não sou um pinga amor
sou um homem de respeito
e estou aqui com fervor
prá receber no meu peito
E pronto. Agora é só lançar o anzol e esperar que o peixe pique na minhoca, especialmente o esfomeado. Agora é só lançar a escada para socorrer as aflitas. Agora é semear e esperar que a fruta amadureça e me caia no regaço. Espero no entanto que a colheita não seja em excesso se não o feitiço pode virar-se contra o feitiçeiro. E aí vou-me arrepender por me meter onde não sou chamado, só por causa da minha costela solidária. No princípio foi de uma costela solidária que nasceu a mulher, agora e neste caso pode lixar o homem Contudo arrisco por um bom namoro, seja ou não dia de S. Valentim.
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