Ética e austeridade
"É uma austeridade com ética"
Marco António, membro do governo de Portugal
A ética pode ser austera? A austeridade pode ser ética? Ética e austeridade sendo significantes têm um ou mais significados. Há ética na austeridade? Eis a uma boa questão!
Que me perdoem Sócrates, Platão, Spinoza, Descartes, Voltaire, Kant e muitos outros do métier, por meter foice em seara alheia. Ao buscar significados li que "a ética busca fundamentar as acções morais apenas pela razão" e em síntese "pode ser definida como a ciência que estuda a conduta humana e a moral é a qualidade desta conduta, quando se julga do ponto de vista do Bem e do Mal". A austeridade, sendo um termo mais abrangente e que quando aplicada à economia, significa rigor no controle de gastos, o que no plano prático e no panorama actual, seja na Grécia ou mesmo nos Estados Unidos, quer dizer sacrifica-se o bem estar (geral) social para salvar o bolso dos investidores.
Ora quando se sacrifica o bem estar, em detrimento de interesses particulares, estamos perante uma conduta inserida no campo do Bem ou do Mal? Depende da perspectiva. Para os beneficiários directos desse sacrifício, é um acto justo, mas para os prejudicados um roubo. Significa que para os primeiros e seus testas de ferro, aumentar rendimentos à custa de baixa de salários e de outros direitos adquiridos pela populações é moralmente aceitável. Mas sendo aceitável na sua perspectiva, não o é na dos que ficam ainda mais espoliados. Acresce que estes não deram o seu aval ao que foram obrigados a aceitar pela força dos jogos de poder .
A exploração dos mais fracos pelos mais fortes, pela austeridade ou por outro qualquer processo, sendo essencialmente uma acção da alçada da moral, mesmo mascarada como medida económica inevitável é um acto moralmente condenável. É um acto que põe em causa a dignidade do ser humano.
Quando um governante se serve da ética, como forma de justificar a austeridade/exploração, está a enxovalhar um conceito, atribuindo-lhe um novo significado, traduzido na amenização da austeridade pela ética. Mas casar a ética com a austeridade não deixa de ser um esbulho, para passar a ser um esbulho Bom. O que não é eticamente aceitável é que se distorça de forma grosseira o significado das palavras. O que é eticamente intolerável, é que se considere que, casando o bandido com o benfeitor o livramos da condenação. Uma coisa são logros e outra são realidades e por mais que os testas de ferro dos "investidores" procurem justificações para as malfeitorias estas não deixam de o ser. O saque despudorado, a falta de respeito pela dignidade humana, não é desculpável. É um crime sem castigo. Não metam a ética nisso.