Escrever sobre nada
Vou escrever sobre nada ou usando outra formulação sobre coisa nenhuma. Exercício deveras difícil, senão pretensioso. Depois de escrever a propósito de quase tudo, começa a faltar, ao escrevente, assunto que mereça uma linhas. Cansei-me. Sobretudo em tempos de verborreia desenfreada. Em que não há bicho careto que não bote faladura em letra de imprensa. Nos jornais, nas revistas, nos sites, nos blogues e nesse viveiro opinativo que se chama facebook. As opiniões pululam como cogumelos, domesticados, selvagens, venenosos. E nem sequer prestigiam o debate ou a reflexão. São tratados de assertividade, de soberba, de insensatez, de insultos, de mau gosto, embrulhados em prosa bárbara. A cultura de massas expressa em texto público chegou ao povo. O uso do verbo, pela plebe, instaura o populismo discursivo.
Alto e para o baile. Propus falar do nada e já vão resmas de frases a matraquear opniões pessoais sobre alguma coisa. Concentremo-nos no nada. Mas afinal o que é o nada? Existe? Se é nada, não existe, e se não existe o que se pode dizer? Nada! Voltamos ao início. Concluo que esta tentativa não passou de um passo em falso. No nada. Contudo um passo. Fraca consolação.
Admito que mentes brilhantes o consigam fazer. Vem-me à memória um exemplo: o do comentador Marcelo. Com efeito, ainda recentemente o ouvi fazer referência, a afirmações de uma jovem, sobre acontecimentos a que teria assistido na Assembleia da República. Pelo que veio a lume, a tal jovem, não esteve nesse local e não os podia ter presenciado. Nesse sentido não teriam existido. A ser assim o professor esteve a falar de nada. Aí está! E outros exemplos poderia dar sobre temas que alimentam o imaginário da comunicação social. Mas não dou para não me desviar do assunto proposto.
Afinal pode-se falar de nada. Começo a perceber. Se calhar aqueles que escrevem sobre tudo e mais umas botas, a propósito ou a despropósito, estão a falar de coisa nenhuma. Ou, ao invés, será que estão a dizer nada enquanto peroram sobre tudo? Vai dar ao mesmo. Desisto. Operação falhada. No fim desta pretensa não-crónica o que se aproveita. Nada!
MG