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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Naquela manhã fria de 1971, o meu FIAT coupé, teve um encontro imediato de terceiro grau, com um velho volkswagen carocha que ia no sítio errado à hora errada. Tinha saído pouco antes do apartamento J.Pimenta (pois pois J. Pimenta) com a Leonilde que comigo partilhava a habitação em Paço De Arcos. Ao entrar, intempestivamente, na marginal, não respeitei a prioridade e pronto, bate chapas e tinta robbialac.

A culpa, em parte foi da Leonilde, uma colega/namorada problemática, que me punha os nervos em franja. Mas aconteceu e não valia a pena estar a chorar sobre o leite derramado. Tinha que resolver o acidente e para isso convinha despachar a Leonilde. A solução, parece que caiu do céu, quando parou junto a nós um bólide chamado Porsche. De imediato me dirigi ao condutor que viajava sozinho e lhe pedi boleia para a Leonilde. Ainda o pedido não estava aceite quando me deu um feroz arrependimento. Então não é que o personagem que me ia transportar a minha namorada/colega era o Caldeira, que não via desde os tempos comuns do serviço militar. Na minha memória acenderam-se as luzes que me fizeram ver em 3D o filme do ano de 1967 em Tavira.

Foi lá que  fiz a recruta militar. Nessa época, o quartel era um viveiro de juventude, que muito animava ass ruas tortuosas e pejadas de igrejas da cidade. Quando nos deixavam transpor a porta de armas, saíamos  aprumados com a nossa farda número um e com as grandes botas cardadas  que nos punham nos pés, marchávamos com ar gingão para atrair os olhares das moças que, atrevidas e curiosas, nos espreitavam debruçadas nos parapeitos das janelas. Depois de algum tempo de clausura e aplicação militar, sem a presença de um sorriso feminino, aqueles risos, às vezes trocistas, eram como uma bênção para a nossa solidão do charme das formas femininas.

 

Depois de regressarmos da passeata e durante a refeição da noite, aproveitávamos para falar das experiências desse regresso à normalidade. Embevecia-me, particularmente, com as aventuras do Caldeira, que era natural de Alcabideche. E porque um homem não é de pau, para além da mulher que deixara, saudosa, à espera, gabava-se de se ter envolvido com umas moças de Tavira e afirmava que até estava de cama e pucarinho com uma dama divorciada. Ora para quem não conseguia molhar a sopa, o sucesso do Caldeira com as damas, causava-me alguma inveja, mas não conseguia-deixar de o admirar.No dia em que, acabada a recruta, partimos para outros destinos, e enquanto observava as janelas fechadas, imaginei-me a a ver por detrás das cortinas, damas chorosas pela perda do Caldeira de Alcabideche.

 

 Por ironia do destino eu e o Caldeira fomos transferidos para a mesma unidade militar sediada em Alcabideche. Eu, Félix Lagos, e o grande sedutor tínhamos sido colocados no Regimento de Artilharia de Costa, única unidade que não dava mobilização para a guerra colonial . Nunca percebi porque recebi essa benesse, mas o meu companheiro, disse-me que  era protegido de uma alta patente militar. No novo quartel, fizemos juntos a especialidade. Ele ficou a cumprir o serviço militar na sua terra natal e muitas vezes no aconchego dos seus lençóis e a mim coube-me rumar a outras paragens, por curiosidade bem mais agradáveis. Não voltei a vê-lo desde esses meses em que convivemos no serviço militar.

 

Depois de ter arrumado as galochas, desenvolvi a minha profissão em Lisboa. Após conhecer a Leonilde, passei a residir, com ela, no seu apartamento de Paço de Arcos. Naquela manhã, fria e nevoenta, em que o meu coupé se atirou ao carocha, fazíamos a viagem para a capital, onde íamos iniciar mais um dia de trabalho. Quando, depois do acidente, o Porsche, se aproximou, até pensei que era um craque de futebol de um clube grande. Quando olhei para a cara do ocupante até exclamei; “caramba eu conheço esta fronha, mas não me recordo do nome”. Aí o fulano olhou-me e disse com ar algo enjoado. “é pá, mas tu és o Félix Lagos”. Foi então que se me abriu a carola. O gajo era, nem mais nem menos, que o engatatão do Caldeira. A nossa relação foi apenas conjuntural. É tipo com quem não vou à bola. Aliás nunca jogámos no mesmo campeonato. Fui directo ao assunto:” estou acidentado, se vais para Lisboa podes levar a minha namorada?” “Claro, disse num tom que me pareceu um pouco amaneirado.

 

Uma desgraça nunca vem só, pensei. Já não me basta a chatice do abraço entre as viaturas. Agora dá-se um encontro de terceiro grau, imediato ou não, entre a Leonilde e o garanhão do Caldeira. O homem das mulheres, ainda  me rouba a namorada/amante/companheira. Ao chegar ao local de trabalho perguntei à Leonilde: "Então, o correu tudo bem? O rapaz do Porches não te deu nenhuma “cantada”? “Não. E é pena, porque o moço é um bom pedaço, eu ainda puxei por ele, mas conversa puxa conversa descobri que o homem é florzinha, ou seja, gosta mais dos belos corpos masculinos e nem tinha sido preciso confessá-lo, pois os seus maneirismos não enganam ninguém”. Fiquei boquiaberto. Como foi possível lidar algum tempo com o fulano sem uma leve suspeita. Só então percebi que aquela fanfarronice das conquistas não passava de uma forma de esconder a sua verdadeira vocação sexua,l num meio que poderia ser-lhe hostil. Naquele momento, respirei de alívio, por a Leonilde não ter caído nos braços do Caldeira. Acabaria por cair nos braços de uma hospedeira de bordo que conhecemos numa viagem à Madeira, mas isso são contas de outro rosário.

 

MG

 

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