Deus criou a mulher e...não se esqueceu do café
Todos sabem. Se não sabem deviam saber. Faltar à formação religiosa é pecado. Vou recordar. Deus fez o mundo. Criou Adão gostou da sua obra e descansou. Mas por pouco tempo. Sentiu que faltava qualquer coisa. Pelo canto do olho espreitou Adão e viu-o acabrunhado e triste. Mesmo sabendo tudo não estava a entender. Fez o mundo e entregou-lho de mão beijada. Olhou de novo, e lembrou-se que lhe podia ler o pensamento. Leu e percebeu. Adão tinha acabado de inventar a solidão. Deus reconheceu a sua falha e resolveu agir. Esperou que Adão adormecesse, tirou-lhe uma costela e fabricou a mulher. Viu felicidade no rosto de Adão, quando sentiu o odor da sua Eva. Finalmente podia descansar. Com a autoridade de um pai disse: crescei e multiplicai-vos. E assim se fez. O multiplicador começou a funcionar mas com pouca equidade. Multiplicava mais as mulheres que os homens e de tal modo que muitas ficavam sem companheiro. A perfeição não é possível. Para compensar a situação e perante o descanso de Deus, alguns homens multiplicaram-se por várias mulheres. Sem maldade, tinham inventado o adultério antes da existência do próprio conceito. Também sem conceito nasceu o pecado. Para dar a volta ao texto, de forma subtil, o profeta Maomé, com mandato divino, fez contas e decretou que cada homem devia cuidar de sete mulheres. Assim se fez e extraordinariamente se equilibrou o que o multiplicador desequilibrava.
A cristandade não adoptou a norma e o problema continua a persistir. Foram porém as mulheres que encontraram a solução. Para sairem do domínio masculino, conquistaram a sua autonomia. Sairam da situação de dependentes e invadiram todas as profissões onde, dado o seu estatuto demográfico, aparecem em maioria.
É por isso que na pastelaria onde vou tomar café trabalham, para além da proprietária, mais três empregadas. Tudo Evas. Chego até a interrogar-me se o que me atrai para aquele espaço é o delicioso sabor do café ou a deliciosa presença das simpáticas Evas
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Entro. Percorro maquinalmente o espaço até ao balcão. Na minha frente pousa uma chávena de fumegante café trazido pelas mãos reconchuchudas de uma Eva loura enfeitada com um sorriso com reflexos de centelha divina. Outras vezes o saboroso néctar negro chega discreto nas mãos delicadas de uma morena de corpinho iogurte magro. Um sorriso arco íris reflectido nas cores do aparelho de correcção dental reflecte-se na cor uniforme do café matizando-lhe a sisudez.
Não consigo decidir de qual das Evas gosto mais. Penso então na felicidade de Adão que nunca teve que passar pelo dilema de optar. Mas agora são tantas e todas tão atraentes na sua diversidade que apetece ficar com todas. Mas isso não passa de pensamento, apenas pensamento que fique claro. Pois se até o pensamento é acto pecaminoso, o que não será o acto concreto. Condenação para a eternidade ou quase. Esta questão não se põe para quem nasceu muçulmano. Não é o caso. A questão minimiza-se para quem é mórmon. Não ouso! Resta carregar mais esta injustiça. Afinal a desigualdade não está apenas na divisão da riqueza mas também no acesso à beleza. Às vezes apetece gritar: Vítimas da monogamia uni-vos. Mas emudeço. Carrego nos meus genes milhares de anos de inculcação de valores judaico-cristãos. Aguento. Talvez no paraíso haja também igualdade no acesso às não sei quantas Evas para a eternidade.Não me importo se são mil ou se são virgens.Têm é que saber servir um bom café.