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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

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Depois da má experiência com a visita ao massagista redimi-me e voltei às meninas. As mãos das meninas da fisio são muito mais delicadas. Desta vez fui recebida pela Marta que me inspirou e a quem dedico esta crónica que nunca lerá. Não porque não queira mas porque não tem tempo, e porque não sabe que escrevo e publico no Escritartes, que fez dez felizes anos. A Marta é uma moira de trabalho. Quase só trabalho.No centro de fisioterapia, onde labora, não tem mãos a medir. Anda entre gabinetes numa roda viva. Tão esguia que parece transparente. Tão rápida que quase não se ve. Tão discreta que não sei se existe.
-Bom dia senhorita Marta
Entre para o gabinete 1. Já vou aí, diz uma voz saída de um dos vários gabinetes.
Despojo-me dos trapos que encobrem as adiposidades e imperfeições da pele curtida por muitos anos de labuta diária. Quando a Marta chega, formosa mas apressada, já estou preparado para a sessão de restauro. Enquanto as suas delicadas mãos afagam com saber os músculos rebeldes, cantarola uma melodia que ouve no som ambiente. E vai relaxando o corpo e o espírito Uma moleza doce começa a invadir-me. Terminada a massagem, a Marta põe-me umas placas  quentes no lombo, e liga-me o braço à corrente eléctrica.
Senhor José diga se está de mais?
Cuidado Marta não vim cá para ser electrocutado. Reduza lá isso.
E aí vai ela a correr para outro paciente. Pouco sei sobre a Marta. Em pouca conversa ou em conversas cruzadas, sei que gosta de cozinhar e faz muito bem bolachas, que tem um irmão bombeiro, que estando de baixa na altura dos incêndios foi pedir alta que não lhe foi concedida, e ficou muito triste.
-Feita apenas de voz a Marta pergunta: -Senhor José se as placas estiverem muito quentes, avise-me
-Está mesmo muito quente senhorita.
-Já lhe vou pôr mais toalhas.
-Fico à espera, mas veja se chega antes de eu estar assado para o jantar.
Entretanto aproveito a boleia do calor, fecho os olhos e quando dou por mim estou nos braços de Morfeu, até as mãos delicadas da fisio me resgatarem do mundo dos sonhos.
-Por hoje está despachadinho, senhor José
-Quer dizer que amanhã há mais. Cá estarei.
Parto para outra, enquanto a Marta é engolida por um qualquer gabinete. Nos dias seguintes a cena repete-se. Até já a assumi como uma rotina onde a soneca é a cereja em cima do bolo.
Mas nada se pode dar como adquirido e o que é bom nem sempre dura. Eis que chega uma nova paciente. Ocupa o gabinete que fica ao lado do meu, e deu logo para perceber que tinha a síndrome da tagarelice. Talvez por não se ter apercebido, que a cortina de plástico que faz a divisória, não tem insonorização, não deu descanso à língua, aos ouvidos da Marta, aos meus e aos de quem não seja surdo. Num abrir e fechar de olhos pôs a vida a nu. Assim fiquei a saber que era professora, quarentona, que não há jovens nas salas de professores e que ia a banhos para Monte Gordo.
E a Marta:  pois…sim…eu quando vou à praia…não gosto de lagartar ao sol…
 Quero lá saber da vida da gralha?  De quantos namorados teve, de quantas vezes faz sexo, de qual é a melhor posição. Ou se foi manjar a um estrela Michelin do chefe Avilez, se foi muito feliz em Veneza, se usa bikini ou gola alta, se viaja muito. Quero lá saber? O que eu quero é dormir. Meu rico soninho.
E a Marta: pois…sim…eu gosto de cozinhar e sem demérito faço um arroz de marisco de lamber os beiços.
Perguntei à Marta quantos sessões faltavam para acabar o tratamento.
-Faltam cinco, senhor José.
Dispenso. Acho que já não preciso.
Fosse porque tinha que ser ou por milagre o facto é que fiquei muito melhor. Até ver não vou precisar da fisio. E se voltar a precisar, espero que a gralha tenha ido para as Selvagens falar com as cagarras. Mas agora ainda admiro mais a Marta. Não só pelas suas mãos de fada, pela sua faceta canora,  mas pela pachorra com que foi dotada para as agruras dos cota-dianos

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