Barranco de cegos
(Deixai-os; cegos são e condutores de cegos; e se um cego guia a outro cego, ambos vêm a cair no barranco")
S. Mateus (evangelhos)
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No romance neo-realista Barranco de Cegos, Alves Redol conta a história de um grande agrário ribatejano, na transição do século XIX para o século XX. A vida de Diogo Relvas, confunde-se com a da própria nação, desde a bancarrota de 1891 até à queda da monarquia. Como a monarquia, também Relvas cai em desgraça e isola-se na torre dos quatro ventos da sua herdade. Aí permanece até à morte, nunca declarada pela família. Os herdeiros mandam embalsamá-lo e assim todos o continuam a ver sentado, durante décadas, junto à janela da torre. O desvario de um gato, ao saltar imprudentemente, para apanhar um pássaro, partiu o vidro da janela, permitindo a alteração de condições que conservavam Relvas e que fizeram com se desfizesse em pó e desse origem a uma nuvem branca que eclipsou toda a herdade.
Salvaguardadas as devidas distâncias temporais, também o actual magistrado supremo da nação, se encontra eclipsado, não por uma qualquer nuvem, mas por uma estranha ausência, num dos períodos mais críticos da história nacional. Este desaparecimento, em pleno combate pela sobrevivência, tem dado azo a variadas especulações. Assim, alguns aventam que se encontra cativo, outros defendem que se deve ter perdido no seu próprio labirinto, há ainda outros que afirmam que está demente e por conseguinte incapaz de assumir os seus actos e há até quem insinue que foi vítima de uma progressiva cegueira.Os mais ousados, chegam a defender que está morto e mumificado, acrescentado que a figura que muito fugazmente aparece, não passa de um sósia treinado para debitar umas frases mal alinhavadas e comer bolo rei enquanto fala, na altura conveniente.
Enquanto a nação se esboroa, nas mãos da arrogância sem limites, de uma intervenção estrangeira, perante a indeferença cúmplice dos seus lacaios internos, o Presidente, parece de facto ter-se esgotado, na sua luta contra a esquerda que ajudou a derrotar. Parece de facto, que o Presidente, foi algoz e vítima da sua Alcácer-Quibir. E agora, repetindo-se a história do país ocupado, o povo espera ansioso pelo aparecimento do seu salvador. E agora, começa a ressurgir o mito sebastianista por entre a nuvem de prepotência e irresponsabilidade que está cegar o orgulho nacional. Cegos pela cegueira dos que nos guiam, esperamos nas manhãs de nevoeiro o regresso de D. Sebastião. Presumo que não virá. Cativo, perdido ou demente, tudo indica que é mais um cego que nos guia para o barranco.
MG