A reforma simplex da língua portuguesa
Todos sabem que as línguas dos países são organismos vivos. Estão sujeitas a diversas influências, principalmente por parte dos falantes. A língua portuguesa não foge a esta regra. È muito diferente hoje do que era no princípio da nacionalidade. Contudo essas mudanças são lentas e nem sempre perceptíveis no curto prazo.
No último ano assisti, em Portugal, a um fenómeno que põe em causa a evolução natural da língua. O fenómeno começou com o significado da palavra irrevogável. Em qualquer dicionário lê-se, "definitivo" ou "que não volta atrás". Agora todo o país ficou a saber que tem novo significado: "é o que tem que ser". Ora aí está. A partir deste princípio pode admitir-se tudo. Por exemplo: coerências, ou compromisso ou palavra de honra ou honestidade ou vergonha na cara, ou recalibrar, é o que tem que ser. De uma penada simplifica-se o que só atrapalhava. Cortar indecentemente nas pensões é tirar rendimentos e direitos adquiridos? Qual carapuça, é o que tem que ser. Para abreviar tudo passa a significar "é o que tem que ser". Dicionários para o lixo já. Tudo passa a ter o mesmo significado.
Estamos perante uma revolução linguística. Quem a patrocina? Linguístas, filólogos, enfim gente do métier? Muito longe disso. Quem inicia esta nova semântica para moldar uma realidade a seu gosto, com a maior cara de pau, é nem mais nem menos, que um político da nação. Poderá não fazer mais nada de relevante. E não fará. Mas por isto já ganhou um lugar na história.
MG