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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Fazer análises de sangue, especialmente o vulgar hemograma, é hoje uma prática generalizada. É uma coisa tão corriqueira que não merece enquanto experiência individual uma linha mal alinhavada. Só mesmo uma mísera falta de assunto ou de engenho para o abordar, associada a uma vã glória de escrever umas loas a qualquer preço as faz assunto de crónica.

 

Entre os fazedores de análises há os normais que as fazem como quem vai tomar uma bica e os cagarolas que tremem só de as imaginar. É o meu caso. Ou melhor era o meu caso, porque tudo na vida é feito de mudança. E o meu horror a agulhas rasgando-me a epiderme, furando-me a veia e vampirizando-me o sangue, mudou de uma forma acidental. Tudo começou quando a minha velha doutora analista, em boa hora,  se reformou. Boa profissional, meticulosa muito trabalhadora sem dúvida. Tão trabalhadora que ganhou artroses a espetar agulhas, estragou os olhos a espreitar para dentro de microscópios, arruinou o sistema respiratório a snifar estranhos reagentes. Se alguém merece um prolongado descanso é a minha velha analista.

 

No laboratório onde me sujeitei há tortura das agulhas está agora uma nova doutora analista. Nova na total acepção da palavra. Mas chamar-lhe doutora, com aquele palminho de cara e aqueles olhos capazes de encantar passarinhos não me parece apropriado. Doutora é um termo ou chavão que fica bem a pessoas com ar soturno. A minha nova analista não merece esse castigo. Por isso vou chamar-lhe simplesmente menina das análises. 

 

Quando me sento naquela cadeira começo de súbito a tremer. Começo não, começava. Agora fixo-me na candura da minha menina analista que me pergunta qual anjo do paraíso:

-Está a sentir-se bem?

-Estou, estou mesmo muito bem, respondo com a máxima sinceridade. Perturba-me é olhar para o sangue. Não se importa que olhe para si...

- Pode olhar, diz com uma sua voz capaz de redimir um pecador, olhar não tira pedaço.

- Tirar não tira digo em silêncio, mas vontade não me falta, falta-me é coragem.

A última sensação que retenho é a dos dedos delicados a percorrer-me o braço para encontrar a veia. Ao fim de algum tempo ouço de novo a sua voz:

-Pronto já está!

-Já está?

Nem agulha a romper-me a veia, nem seringa a sugar-me o sangue. Apenas sensação de que o que é bom acaba depressa.

. É estranho, mas agora não me importo de fazer análises. E digo sem ironia: até as faria todos os dias, de bom grado, como uma penitência.Talvez ainda bole uma estratégia para convencer o meu médico a fazer das análises uma espécie de terapêutica continua. Sim porque a menina das análises é seguramente mais de meia cura pois se  Deus nos brinda com criatura tão angelical é porque só quer o nosso bem. E até deixei de ter pesadelos com profetas do Apocalipse, tipo Medina Carreira, porque agora estou convicto que estes demagogos da desgraça são seguramente enviados do demo. Estes e a corte de aprendizes de mafarrico que nos sugam até ao tutano e ainda nos querem roubar a alma. Mas não hão-de conseguir, porque com a menina das análises no pensamento sou invencível.

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