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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

 

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Naquele dia de Junho, dos anos 60, a camioneta da carreira da tarde esgotou a lotação. Ao longo do seu percurso na serra algarvia, foi-se enchendo de mancebos que demandavam a sede do concelho, ,no dia seguinte, se apresentavam às sortes. Entre eles viajava Aníbal Cavaco, jovem ainda imberbe, mas que ia ser sujeito à prova de aptidão para soldado da nação.

Na sede do concelho, Aníbal e o grupo da sua aldeia dirigiram-se à pensão Maria Ana, nas margens do sapal, onde pretendiam pernoitar . Bateram com a mãozinha de Fátima, resquício da passagem muçulmana e esperaram breves instantes. Na soleira entreaberta, divisaram uma mulher baixa, alourada e montada nuns chinelos de pana, made in Espanha, que os olhou com bonomia.

-D. Mariquinhas, disse o Chico Rufia, um latagão de quase dois metros e que se assumia como chefe, esta malta precisa de camas para descansar os ossos. Mariquinhas que já o conhecia de outros Entrudos balbuciou: -para ti Chico dá-se sempre um jeito. Mas quantos são os alarves. - Mais de uma dúzia, disse o Rufia, olhando em redor e calculando a olho. -Só se não se incomodarem de dormir aos pares, informou Mariquinhas.

-Homessa ti Mariquinhas, isto é malta séria.  Mariquinhas conduziu-os por um longo corredor alumiado por telhas de vidro e distribuiu-os por pequenos quartos, mobilados com uma cama e um lavatório de ferro. De cada lado da cama, encimada por um quadro da última ceia, indispensável num lar católico, havia uma mesinha de madeira pintada. Do tecto pendia presa num fio eléctrico, uma lâmpada de luz bruxuleante. Os moços das sortes foram-se instalando com a sua bagagem, enquanto Ana,a filha de Mariquinhas, que optara por ficar solteira, à falta de pretendente, preparava o jantar de caldo de repolho, bem condimentado com toucinho de porco serrano. Acabada a refeição, o Rufia, aproveitou a saída das mulheres, levantou-se e ciciou: - Agora como é da tradição vamos às putas. Quem ainda os não perdeu, tem que ser hoje, ou não faz jus ao bom nome do soldado português. Vinte paus é quanto leva a Mercedes para esfolar cada bezerro. Faço-me entender? Então vamos que se faz tarde e hoje a procura é muita.

Mercedes,uma matrona de meia-idade, bem nutrida, mas ainda viçosa e prestável para a função, supria a menor juventude com muita experiência. E o facto é que até então nunca tinha havido queixas. A encartada do sexo, tinha casa aberta e autorizada, sujeita a imposto municipal nas faldas do velho castelo que já fora dos castos monges Templários. Naquela noite, Mercedes, não dava mãos nem pernas a medir. A clientela vinda de todo o concelho compareceu em peso. Mas não podia dar-se ao luxo de perder um dia assim tão farto. Só acontecia em ocasiões festivas. Começou a atendê-los a todos, um de cada vez, claro. - O próximo, chamou Mercedes. Levantou-se algo atrapalhado Aníbal Cavaco, enquanto arrastava os pés para dentro do consultório.

Esparramada na cama, estava uma dama tal como veio ao mundo. A cor do rosto esfíngico de Aníbal escorregou-lhe até aos pés, e ficou como que pregado ao soalho de tábuas enceradas. A únicas fêmeas que vira nuas, eram cabras, vacas e outros animais de pasto. - Então moce que estás a fazer aí especado? Vieste para biombo de sala? Despacha-te que há muita gente à espera. Passado o primeiro impacto, Aníbal lá se foi despindo sempre em crescendo. - Ó móce dum raio pelos vistos és melhor de coiso que de conversa. Anda cá que eu tiro-te da aflição. Aníbal atirou-se prá frente como potro no cio e descarregou na matrona a sua ansiedade quase sem a deixar tomar ar. "-Mais devagar rapaz, não vás com tanta sede ao pote, conseguiu balbuciar a experiente donzela."

A maltesaria satisfeita de corpo e mente, saiu para ir dormir e retemperar forças para a prova do dia seguinte. Mas Aníbal Cavaco recusou-se a acompanhá-los. -Eu ainda fico, disse convicto. Bem tentaram demovê-lo, mas em vão. Esperou que todos saíssem e voltou a entrar, agora mais afoito, no aposento da matrona. -Que se passa, disse ela, ao ver de novo aquela inconfundível figura. Vens fazer alguma reclamação? -Nem pensar, disse na sua pose lingrinhas, eu só queria repetir…-Tá bem, desde que tenhas dinheiro para pagar, replicou Mercedes. Voltaram a rolar na cama enquanto rolaram notas de vinte escudos, acabando por adormecer, ambos, de cansaço.

-Vamos levantar cambada, está na hora da inspecção, gritava D. Mariquinhas enquanto abanava, freneticamente, um chocalho de vacas. Chico acordou assarapantado e mais assarapantado ficou quando não viu Aníbal que lhe calhara como parceiro de cama.

-Malta, alguém viu o Aníbal ? perguntou o Rufia, denotando preocupações de chefe.

-Não, afirmou um coro de vozes desafinadas, "se calhar já foi"!

O sargento cumprimentou os jovens com jovialidade e boas maneiras, dizendo: tirem-me essa roupa, lesmas de merda. Quando todos libertaram o corpo, o inspector começou a tomar notas, enquanto um cabo media, pesava, observava. Um capitão de meia-idade e cabelo grisalho, assistia discreto toda a operação. Já a inspecção ia a meio, quando no limiar da porta da sala surgiu Aníbal Cavaco, trôpego, macilento com os olhos a sair das órbitas, mais zombie, que futuro soldado da nação. - Quem é esta alma penada, berrou o capitão, espantado, enquanto rodava furiosamente o pingalim. -"Perdão senhor...é que"...balbuciou Aníbal.

-Desembucha, se não ainda te parto este chicote no lombo, campónio armado em chico-esperto. -"É que passei mal a noite, caiu-me mal o rap olho"...uma risada bem sonora ecoou por toda a sala, e até os reposteiros às flores começaram a agitar-se expectantes. O capitão não resistiu a tanta hilaridade e a custo balbuciou: -Despe-te lá, nabo encartado. Pensava que já não havia disto. Acabada a inspecção os mancebos foram recebendo uma folha que os habilitava como futuros defensores da pátria. Aníbal Cavaco, recebeu a sua folha olhou e leu, em letras vermelhas: INAPTO. Nesse longínquo dia, Aníbal não conseguiu ter a suprema honra de ser soldado português, mas demonstrou invulgar capacidade de participar em rituais iniciáticos e deles tirar todo o proveito.

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