A formiga no carreiro ia em sentido contrário
O direito ao gozo de férias é uma conquista recente. Vem na sequências das lutas laborais e da ascensão ao poder de partidos de índole socialista. São um direito universal expresso na Declaração dos Direitos do Homem. Em Portugal, generalizam-se após o 25 de Abril de 1974. O conceito de férias inicialmente associado ao direito ao lazer, acabou por dar azo a uma revolução na economia mundial, com a criação da indústria do turismo. Ironia das ironias é a classe empresarial, são os donos de dinheiro, que acabam por beneficiar deste direito popular, descobrindo uma nova forma de multiplicar o seu capital.
Durante longos meses de trabalho, os cidadãos sonham com a chegada desses dias de paragem na actividade profissional. Paralelamente ao gozo de férias surgiu a moda dos banhos de mar. As longas praias da costa portuguesa, adormecidas durante séculos pelo embalo das ondas marítimas, foram acordadas por gente ruidosa e sequiosa de sol e mar no período estival. Quando chega o Verão o país entorna-se para o litoral, especialmente para o Sul na procura de calor e águas mais tépidas. A maioria dos que podem dar-se a esse pequeno luxo partem de armas e bagagens para as praias mais procuradas. Aterram na confusão das urbes marítimas, disputam milímetro a milímetro um lugar no areal. Embebedam-se de sal, torram-se de raios uv. Mais escaldão menos escaldão, sentem-se felizes e durante breves momentos alheiam-se das agruras da puta da vida.
Ao contrário da maioria dos que podem fazer férias fora de casa, não rumo, nesta época ao Sul. Como a formiga no carreiro vou em sentido contrário. Longe do burburinho cosmopolita da área marítima rumo a Norte. Perco-me nas paisagens verdes das beiras e do Minho. Calcorreio as ruas de pequenas vilas, com alguns visitantes, mas onde se sente o genuíno pulsar dos autótones. Procuro saborear as gastronomias locais, com moderação, que a vida não está para luxos. Integro-me nas suas festas seculares e sinto-me no Portugal tradicional, embora modificado pela modernidade. Feirense em Santa Maria da Feira onde a sua viagem medieval é já uma instituição nacional, tripeiro na Invicta, ponte-limense em Ponte de Lima com a sua ponte romana e a sua arquitectura de belos solares, cerveirense em Vila Nova de Cerveira com a sua bienal. E muitas outras poderia referenciar. Descobrir este Portugal, mesmo se já descoberto, tem sempre um encanto renovado. E sem pôr em causa as virtualidades do litoral marítimo, acentuo, que mesmo para férias, existe outro país.