A chinesinha-uma benção divina
Vou fazer uma inconfidência mesmo correndo o risco (o que não o é?) de perder a aureola de pessoa séria e equilibrada granjeada com tanto labor em linhas e linhas de escrita fingida. Corro, ainda, o risco de perder de uma penada a visita de leitores recatados. Que seja. Mas a verdade acima de tudo. Aliás, quem sabe ler nas entrelinhas já percebeu a minha tara há muito tempo. Acontece que nasci português, cresci português e hei-de ser português até à eternidade. Quanto a isso, nada a fazer. É o destino. E como bom português tenho uma fraqueza congénita. Não resisto a pastar o olhar por qualquer rabo de saia ou até de calça com este símbolo.( ) Sem qualquer preconceito, de cor ou religião, desde que bem modelado,(nada a ver com TSU) e tendo a consciência que é um pecado venial. Mas tendo, também, a crença que o arrependimento tudo recompõe. Foi para isso que foi criado. Ou seja, a justiça divina é tão perfeita que cria o castigo e o respectivo antídoto. E não podia ser de outra maneira, a partir do momento em que criou o português.
Muitos antropólogos credenciados, têm afirmado que foi dessa aptidão lusa para a arte da miscigenação, que resultou o/a mulato/a. Quem sou eu para contestar? Limito-me a seguir a corrente e a aproveitar essa fatalidade genética. Assim, arranjo justificação para o meu devaneio para com a chinesinha do lugar da fruta. Para mais, ele só existe porque a gente do império do meio, numa expansão ao contrário, resolveu vir em força aqui para o velho Portugal. Eu acho que foi por saudade dos tugas, depois do regresso das caravelas. Só pode.
Digo com toda a sinceridade que minha atracção pela chinesa foi logo ao primeiro olhar. Por aqueles olhos amendoados, por aquele sorriso ingénuo, por aquele corpo esguio, pela tez ainda virgem dos raios ultra-violetas. E digo com toda a propriedade que tenho bom gosto, porque não fui o único atraido por aquela beleza oriental. Todos os dias vejo outros tugas a mandar a escada a chinesinha, apesar de ter marido. Ainda há dias, vi um desses sedutores, a faze-lo descaradamente. E dizia o sujeito com ar de labrego: (digo convictamente sem ponta de ciúme) "estás tão só, deves precisar de companhia." E ela, com cândida paciência chinesa a dizer-lhe: "o meu ilmão foi a Lisboa complal fluta e deve estal a chegal" . Mas mesmo assim o alarve (com todo o respeito) continuava a insistir. Perante o incómodo tive de intervir, discretamente, para afastar o cretino (sem ofensa). Sim que eu posso ser tuga, mas sou tuga cavalheiro.
Todos os dias, acho que inconscientemente, vou ao lugar da fruta. E entre grelos e pepinos, literalmente, vou enchendo devagar , devagarinho, perante a observação e um ou outro sorriso da chinesinha, o meu saco de plástico. É aí que se acentua o meu devaneio e me imagino em tête-á-tête com a bela donzela. Imagino-a a envolver-me de ternura dizendo com a sua voz maviosa, "então meu amol hoje quel leval pão de Mafla?". Sei que é pecado, tipificado como cobiça de mulher alheia, mas não passa de pecado menor, pois é apenas em pensamento. Há dias, enquanto tocava na sua mão delicada para receber o troco, afagou com a mão disponível a minha proeminência abdominal dizendo: "então quando nasce a cliança?". Laios palta. Callaças. Polla. Tanto sonho, tanta aleglia, tanta felicidade sonhados no meio daquela fluta pala ver a chinesinha a apenas se intelessal pele minha balliga. Está decidido. Amanhã vou pala o ginásio. Não quelo, não posso e não devo pôl em causa a missão globalizadola do poltuguês. A chinesinha vai ver!
PS Passaram dois anos depois deste texto ser escrito. A chinesinha rumou a outras paragens. A minha proeminência abdominal continua firme e hirta. Mas a sua imagem continua viva na minha memória. Ainda espero que ela regresse. Preciso de voltar a aumentar o meu rácio de fruta. A saúde agradece. E eu agradeço à chinesinha, que sem saber foi (é) minha musa inspiradora.