Vassalagens
O meu país tem oito séculos de história”, disse José Sócratesdepois do encontro com Angela Merkel
Tenho visto, ouvido e lido, acusar o homem que ainda governa Portugal, bem ou mal, mas legitimamente, de ir prestar vassalagem a Frau Merkel. Apesar de essa acusação carecer de substância e valer o que vale, é preciso lembrar que a política não é, nunca foi e não sei se alguma vez será, uma arte bacteriologicamente pura e eticamente irrepreensível. A politica é hoje e desde a sua infância na Grécia antiga, a arte do possível, numa mistura de atitudes que se plasmam com a própria natureza humana: compromisso, cedência, diplomacia, verdade, mentira, sagacidade...onde como escreveu Maquiavel, no Principe, os fins justificam os meios...
«Não passa muito tempo, quando o forte
Príncipe em Guimarães está cercado
De infinito poder, que desta sorte
Foi refazer-se o inimigo magoado;
Mas, com se oferecer à dura morte
O fiel Egas amo, foi livrado;
Que, de outra arte, pudera ser perdido,
Segundo estava mal apercebido.
«Mas o leal vassalo, conhecendo
Que seu senhor não tinha resistência,
Se vai ao Castelhano, prometendo
Que ele faria dar-lhe obediência.
Lusíadas, canto III
O homem que liderava o projecto para fundar um país, de nome Afonso Henriques e cognome o conquistador, teve ao longo deste difícil percurso de fazer opções claras. Ou se mantinha num caminho de verticalidade ingénua e nunca seria rei, ou fazia cedências, assumia compromissos, aceitava vassalagens se queria vir a sê-lo.
Foi com esta estratégia que prometeu obediência ao poderoso Imperador Afonso VII, foi na mesma linha que de tornou vassalo da Santa Sé, a troco de umas libras de ouro. No primeiro caso, coube ao aio Egas Moniz honrar o compromisso, segundo a lenda, pondo a sua vida nas mãos do rei de Leão. No segundo, consta que uma vez conseguido o pretendido, não terá cumprido o acordo pelo menos integralmente.
Podemos considerar o comportamento descrito reprovável, mas não é assim que funciona a Real PolitiK. Possivelmente Portugal nunca teria sido uma nação, sem esta via menos ortodoxa. E penso que todo aqueles que se sentem portugueses, não consideram o fundador de Portugal um crápula, mas antes como um estadista que soube agir de forma correcta e lúcida nos momentos decisivos.
Zé Cavaco

PS- Para que fique claro não se pretende aqui fazer qualquer comparação entre o actual e transitório primeiro-ministro e o primeiro rei de Portugal. Apenas se pretende chamar a atenção para a razão das vassalagens.
PS 2-"Quem tem poder na UE não são as cada vez mais fracas Instituições, mas a Alemanha. Neste caso até é positivo que Sócrates tenha ido dictamente à sede do poder" (adaptado) . Quem faz esta afirmação não sou eu, mas o deputado e comentador Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo.