Príncipes do quase tudo, reizinhos da ignorância
mazungue.com
Era uma infância sem tecnologia. Rádio só na casa do povo, televisão uma miragem, computadores uma utopia. Um fogareiro a petróleo era o utensílio mais avançado que tenho na lembrança. Jogávamos ao riol (berlinde) , lançávamos o pião ou a sua versão feminina, a piorra, pontapeávamos bolas de trapo, corríamos pelas ruas lamacentas no Inverno ou por vielas poeirentas no Verão.
Coloquiávamos junto ao fogo, nas longas noites de Inverno, com família e vizinhos. No largo principal reuníamos nas quentes noites do estio e formávamos coros improvisados para cantalorar cantigas em voga. Nas festas, feiras, feriados, arrastávamos os pés de chumbo nos bailes dos crescidos, ao som desafinado do fole, (acordeon) procurando imitá-los. Assim fazíamos o nosso tirocínio para a idade adulta.
Na escola, aprendíamos a juntar letras, lidar com números, decorar rios, distritos, linhas de caminho de ferro. Na escola, conhecíamos os Reis e as suas glórias e formávamos a nossa identidade. À noite, dormíamos o sono dos justos, realizados na singeleza das nossas vidas simples, despreocupadas e felizes à nossa maneira. Comparados com os Príncipes do Nada da reportagem da RTP, fomos reizinhos de alguma coisa.
Os filhos da tecnologia, acordam ao som de MP3, embebedam-se de imagens, integram-se nos mundos virtuais dos jogos. O filhos do consumismo, procuram o seu bem estar no ter. Fazem da escola apenas um local de convívio. Convivem nos espaços exteriores, convivem nas sala de aula, ignoram uma figura estranha (professor?). Consideram a aprendizagem um desperdício, o trabalho escolar uma seca, o docente um chato. Entram e saem analfabetos, muitas vezes, com o beneplácito dos próprios progenitores. O país consome enormes recursos que não aproveitam. Ninguém exige responsabilidade. São príncipes do quase tudo, futuros reizinhos da ignorância.
MG