Carta de namoro
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Moça de Braga
Num tempo em que o serviço militar era obrigatório, tive de cumprir durante três anos, como muitos outros, as minhas obrigações de cidadania. Nessa experiência que considero positiva e enriquecedora aprendi importantes valores cívicos, como a solidariedade, o espírito de grupo, a entreajuda, a amizade, o respeito e a disciplina. Mas aprendi também a conhecer melhor o meu país. Nessa época de isolamento os quartéis eram reproduções miniaturizadas do país real.
Nos vários quartéis convivi com jovens de muitas regiões de um Portugal, que só conhecia dos áridos livros de geografia. Em Tavira, por exemplo, conheci o Meireles de Mirandela, o Santana de Cedofeita, carago, o Justiniano da Vidigueira, porra, o o Zé Manel de Barrancos, conho, entre muitos outros, caraças. Em Oeiras tive a honra de conhecer o Dani, ídolo da bola e protegido do Comandante. Na Trafaria, ajudei a comandar um pequeno destacamento de tropa fandanga, que guardava umas velhas peças de Artilharia de Costa já reformadas pelo advento dos mísseis. Nesse familiar quartel lembro-me do" Passatempo" de Moncarapacho que rondava os bares da Costa na prestação de serviços sexuais pagos para arranjar umas coroas p´ro o tabaco, ou do imberbe "Rojão" pescador da Póvoa e cozinheiro improvisado.
Quando viajo pelas terras portuguesas, vem-me à memória o nome desses jovens inconscientes que me facultaram a primeira imagem real de Portugal. Há uns meses, ao calcorrear as ruelas da bonita cidade de Braga, lembrei-me do Jaquim, c.... Partilhamos durante algum tempo a camaradagem militar no referido aquartelamento da Trafaria. Tenho uma vaga ideia do seu porte algo rude e das suas maneiras simples e despretensiosas. Era mais um a desejar que o tempo passasse depressa para voltar à sua terra, onde o esperava uma moça casadoira na qual havia de semear filharada para lhe alegrar o dia a dia. O que melhor recordo desse companheiro, são as cartas que recebia da sua prometida e que não sei porque artes mágicas eram lidas colectivamente. A linguagem usada era para nós sulistas mouriscos um prato de sabores raros e picantes. Português genuíno e vernáculo do melhor. Não me atrevo a reproduzí-la aqui, senão o ostraciza-me por linguagem imprópria, mas tirando uns artigos, umas preposições ou umas conjunções tudo era de c p´ra cima ou de f para baixo. Hoje, décadas passadas, vejo nessa "in"genuinidade linguística da então moça de Braga a essência de uma nação cuja riqueza reside na sua assumida diversidade.
MG