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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Idália era uma moça feliz e bem casada. Nascida de boa cepa deu ao fiel marido, um pé rapado, filhos de boa casta que alegraram as suas vidas. Mas mesmo as mais cheirosas rosas têm espinhos. Passada a meia idade recebeu de herança uma casa. Melhor não a ter recebido, diria anos mais tarde. Mas o que tem que ser é, e aquela casa acabaria por ser um inferno na sua vida perfeita. Não precisava de utilizá-la e colocou-a no mercado de arrendamento. O exemplar maridão encarregou-se de encontrar inquilino e por obra do acaso encontrou inquilina. Chamava-se Maria e era uma cidadã brasileira. Para evitar interpretações abusivas esclareço que  a nacionalidade da inquilina não tem qualquer significado. Podia ser de outra nacionalidade.

 

Durante algum tempo o arrendamento correu com normalidade. Até que um dia o marido que cobrava a renda, chegou a casa de mãos vazias.  Maria tinha deixado  de cumprir o contrato. O cobrador da renda e fiel marido, com boas palavras, convenceu Idália para dar um tempo, pois Maria passava por dificuldades. Melhores dias viriam. Os dias maus perpetuavam-se e Idália perdeu a paciência, tomou o assunto nas suas mãos, e convidou Maria  a saír. Ela foi-se escapulindo pelos buracos da lei e foi adiando a decisão. Como não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe chegou uma altura em que a inquilina teve de sair. Mesmo com muitas rendas por receber, a senhoria respirou de alívio. Ia recuperar, em plenitude, a casa legalmente herdada.

 

Final feliz? Pura ilusão. Quem ainda acredita em estórias da carochinha? Afinal a história não acaba aqui. Vai começar a parte mais dramática. Idália entra no apartamento como quem volta a receber uma  nova herança. Olha em volta e não quer acreditar. Deve ser um sonho mau. O que é isto meu amado esposo? conseguiu balbuciar antes de cair desamparada num vazio existencial. À sua volta ergue-se um vazio real, um espaço totalmente vazio de conteúdo. De forma mais prosaica, todo o recheio está sumido.

Idália herdeira e proprietária pega em papel e lápis e começa a fazer uma longa lista: bengaleiro, fogão, microondas, máquinas de lavar, mesas, cadeiras, louceiro, cama, guarda-roupa, mesas de cabeceira, televisão... Dos móveis esfumou-se a forma. Nem resta o cheiro. Manda de imediato email a Maria com a indicação. Devolva de imediato tudo o que levou por desconhecer que vivemos em regime de propriedade privada. Salve-se o meio da desgraça o sentido de humor da nossa heroína.

 

Maria, ex-inquilina ou inquilina de outro senhorio, não demorou a dar a resposta: cara, levei sim esses objetos, mas te fiz um grande favor. A tralha que habitava a tua casa era indigna de tal espaço. Aceitas que estou certa, né? Olha que já dei muita coisa na vida mas nunca dei coisas tão reles. Meu bem, talvez se salve cama, mas isso se deve à recordação das transas que ali dei com o teu marido. Ou achas mesmo que não pagava a renda? Ou ainda acreditas em almoços grátis? Mas deixo-te o teu mais que tudo. E se não levo ele é porque gosto da vida ao natural. Homem com viagra não levo pra casa, não? Tenho os meus predicados, um deles um generoso bumbum. Pergunta a ele o que tem a dizer dele. Agora que negócio é esse de mesa de cabeceira? Essa não levei não? Onde já se viu mesa de cabeceira de latão? Não sou perfeita não, mas traço o meu limite!

 

Idália foi uma moça feliz, mas não há bem que sempre dure. Maria levou os móveis de Idália, mas deixou-lhe a mesa de cabeceira e o marido. Não há mal que nunca acabe.

 

MG