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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Há uns tempos que estou ausente das minhas crónicas escritarteanas. Entre outras razões está a angústia que vivi com a novela do Presidente destituído. Exilei-me no blog Camarote Leonino, onde escrevo, com outros proscritos sportingados. Foram muitas horas roubadas ao sono. Agora que o destituído está em estado catatónico posso voltar aos meus escritos cronicados.
Começo por fazer uma confissão algo dolorosa. Resolvi adoptar uma vida light. Em resumo e para simplificar uso uma expressão vulgar e popularucha: “não bebo, não fumo…e procuro evitar os malefícios do sexo” tanto quanto possível. Mas há um vício de que não me libertei, a ingestão de café. Também fiz algumas alterações, bebendo aqueles cafés ditos soft, mas não consigo dispensar a ida diária à Pastelaria Paraíso Doce, onde bebo a bica da ordem.
A proprietária da pastelaria, uma cinquentona, quase sexagenária, que veste sempre um número abaixo das suas medidas, (talvez por razões de poupança) tem sempre jovens meninas no apoio aos clientes. E de quando em vez surpreende com uma nova. Foi o que aconteceu, hoje, quando fui beber o meu café. A primeira impressão que tive da nova atendedora foi a expressão dos seus olhos, algo tristes.
-Cafezinho, perguntou a menina dos olhos tristes.
-Uma bica cheia, com canela e adoçante, para levantar a moral ou o moral (fico sempre baralhado com as concordâncias, e como não tenho acesso ao Ciberdúvidas, jogo na dupla)
-Há moral que não há nada que o levante, replicou a menina dos olhos tristes, enquanto me veio à mente a ideia do que pensou e não disse: “mas que marmelo é este a provocar-me com graçolas brejeiras”.
Entretanto, a menina dos olhos tristes, virou-me as costas para tirar o café, e pude apreciá-la em 3D, uma vez que sendo magra e elegante, não era totalmente transparente. Não desmerecia a sua antecessora, antes pelo contrário. Sem mais palavras, paguei a despesa e sentei-me num lugar estratégico, onde fazia de conta estar concentrado na leitura do jornal, para, disfarçadamente, observar a nova atendedora.
Continuou a impressionar-me. Não sei porque raio, apeteceu-me fazer-lhe um poema. E em modo Fernando Pessoa resolvi escrevê-lo no suporte que tinha mais à mão um guardanapo de papel. Aqui o reproduzo, ipsis verbis,sem correcções semânticas, nem preocupações de natureza poética:

Menina dos olhos tristes,
Enfeitados de ternura
Que nunca tão tristes vistes
Com tamanha belezura (para rimar)
No cabelo acastanhado
Tem um lírio envergonhado
À espera de ser colhido
Por quem quiser ser marido (para rimar)
Morena dos olhos tristes
Com o café à cintura
Tiras-me da vida light
Levas-me pra vida dura,
Que nunca tão tristes vistes?
Anjo?
Demónio?
Loucura?

Palavras não eram escritas, entrou um cliente habitual, jovem, cuja característica mais evidente é ser mudo, e como tal expressar-se pela linguagem gestual. Dirigiu-se à menina dos olhos tristes em grande euforia a quem deu um abraço e afinfou dois beijinhos. Um outro cliente disse então à menina:
- Olha que ele é bom rapaz, e se quiseres casa contigo.
A menina escancarou um sorriso, e foi então que sobressaiu uma dentadura alva, da qual sobressaiam dois dentes, um de cada lado, assim um espécie daqueles que têm as meninas ao serviço do Drácula. Senti um arrepio. Não é que acredite nessas coisas, mas, pelo sim pelo não, vou ter cuidado com a menina dos olhos tristes, e não vou dizer mais graçolas, pois já me basta a vida light e as agruras que fazem parte deste
Cota-diano.