Conversa de chacha
Há quem diga que a idade está na cabeça, mas o corpo passa ao lado de teorias e segue a normal marcha da natureza. Por mais que diga ao meu que não seja queixinhas, que não se deixe abater por uma dorzinha aqui, uma ardor acolá, um mal estar “acoli”(aiaiai) não me ouve. Não ouve mesmo. Vai daí, por mais que diga ao meu ombro que não ligue ao protesto dos tendões, e ao seu choradinho, o facto é que não se cala. É pior que bebé chorão. E tanto me chateou que lhe fiz a vontade e levei-o ao massagista. Estava sentado na sala de espera, com direito a senha e a ecrã plano de televisão, quando saiu do gabinete de massagens um paciente seguido do de um matulão “praí” de um metro e noventa. Reparei nas manápulas que saiam das mangas da bata branca. Era o homem das massagens. Mandou-me entrar e depois de um breve diálogo pediu-me para me deitar, em cima de uma marquesa. -Dispa-se, deite-se de bruços e imagine que está em cima de uma marquesa de verdade, disse Nada mal para começo de tratamento. O cavalheiro mostra sentido de humor, embora brejeiro. Aceito, como processo de descontrair o paciente e criar proximidade. Palavras não eram ditas comecei a sentir a delicadeza das manápulas no meu lombo. Pancada de criar bicho. Aguenta por seres queixinhas, disse no recesso da intimidade corporal. Até a marquesa gemeu, mas foi de dor. -É pá, a sua coluna tem mais curvas que a estrada do Sabugueiro. Ainda é muito novo para estar neste estado. Agarra-me no braço puxa, puxa, roda, roda, de tal modo que este parece uma ventoinha a sair do eixo. Será que ainda está agarrado ao corpo? -Não sou assim tão novo, respondi timidamente. Pelo menos já tenho idade para ter juízo e não me meter nestas alhadas, pensei… -O quê? Não lhe dava essa idade! Se tirar as banhas e pintar o cabelo, até parece um jovem. Sabe o que lhe digo? Saia do sofá, vá caminhar, olhe para as gajas, para as novinhas claro, vai-se sentir melhor. O braço ainda está no seu lugar. Até ver. E vem mais pancada. Agora dá-me um apertão tão forte na carcaça que senti que o esqueleto se separava da musculatura. Se é que ainda tenho esqueleto no verdadeiro sentido do termo. -Pois é…coluna toda empenada…é uma pena. Caminhe…olhe para as tipas…velhas não…faça sexo…endireita a espinha e outras coisas, como o ânimo, bem entendido, sentencia o massajador. Nem dou troco à conversa. Palavras para quê? Quero é que o matulão acabe para sair dali, mas continua e volta ao braço, Roda, roda, roda, roda Roda, roda, sem parar Tanto roda, tanto roda, Que ao lugar há-de voltar Porra, além de torturador também é versejador. Deixo-me levar na onda para ver se o tempo passa. Mentalmente vou dizendo, Soda, soda, soda, soda Soda soda sem parar Deixa-me o braço num oito E ainda tenho que pagar Quando nada o fazia prever, volta o apertão da ordem. Desta vez penso que me vão sair as miudezas pela boca, mas vá lá, ainda conseguiram voltar ao seu sítio, ou quase. -É o que lhe digo comece por caminhar cinco quilómetros, dez quilómetros e depois sexo. Tem que ser, você parece um puto, tem que viver como tal… -Puto que o pariu. Quilómetros e quilómetros de sexo. Mas onde é que eu estou? Numa sala de massagens, numa câmara de tortura, ou num consultório de sexologia? A medo arrisco dizer: “não se atrase, tem muita gente à espera”. -Terminámos e não se esqueça dos meus conselhos. Aplique a minha receita e não se arrependerá. Uff! Vamos lá ver, se ao menos consigo caminhar. Quanto ao resto logo se vê. Há, se alguém tiver um corpo queixinhas, ou achar que exagero, tenho o cartão do fulano e recomendo.