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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

20 Fev, 2018

Fui às meninas

As meninas estavam referenciadas, como altamente competentes no seu mister. Marquei o encontro por telefone. Apresentei-me à hora combinada. Toquei à campainha do número 69 de um espaço dúplex. Abriu a porta uma menina de grandes e profundos. olhos pretos. Fixei  o tamanho desmesurado das pestanas. Pestanejou.
-Olá, disse. Chamo-me Diano…
-Oi, disse a moça, com sotaque abrasileirado.. Estávamos à sua espera. Seja bem-vindo. Faz favor de entrar. Sente-se e espere um momento.
Fiquei à espera numa salinha, com ar acolhedor. Paredes de cores neutras, uma pequena secretária, um maple de aspecto confortável, onde me sentei. A menina com ar de mestre-de-cerimónias pegou num telefone e anunciou.-
-Podes vir. Já chegou o cliente.
Pouco depois apareceu outra moça. Chamou-me a atenção, o cabelo curto, e cor de fogo Ao aproximar-se notei algo invulgar. Os olhos tinham cores diferentes. Um era azul mar, o outro, um azul mais esverdeado.
Olá, é o senhor Diano. Que curioso. Eu sou Diana, mas todos me tratam por Di. Acompanhe-me.
Segui a menina por um corredor com várias portas. Introduziu-me num espaço com uma cama, uma cadeira e uma pequena mesa.
-Esteja à vontade, disse Di, com um aberto sorriso que deu para ver uns dentes bem alinhados. É a primeira vez?
Não menina Di, retorqui. Ou melhor, aqui neste lugar é a primeira vez. Como é óbvio, já tenho idade suficiente por ter de passar por estas experiências.
-Okey, Diano. Pode despir-se e deitar-se. Vamos começar por uma massagem relaxante. Depois vai sentir a temperatura a subir um pouco. Faz parte.
O pudor é uma maldição que se nos cola à pele há gerações. E por mais modernista que queiramos ser, não lhe conseguimos fugir  Despir-se  perante estranhos causa sempre algum constrangimento. É certo que me tinha preparado. Tomei um banho com sais perfumados, mas com toque masculino, como deve ser. Untei-me com cremes para apresentar a pele sedosa, mas hesitava. A expressão serena da moça descontraiu-me. Aproximou-se para me ajudar. Reparei então nas suas mãos, pequenas e finas, com umas unhas bem tratadas. Talvez unhas de gel, decoradas com variados motivos. Vestia uma espécie de bata, discretamente cintada e abotoada a frente. Decerto adequada à função.
-Prefere que me deite de costas ou de frente? Perguntei
- Para começar fica de barriga para baixo, temos qua aliviar a tensão lombar. Sem isso nunca se consegue atingir a descontracção física e mental para um bom desempenho. Depois vamos mudando para outras posições.
Debruçou-se sobre mim e começou a sua tarefa. Estava a ficar agradado. Parecia-me estar nas mãos de uma verdadeira profissional, bem preparada para a sua função. E que mãos, posso dizer. Foram percorrendo, com sabedoria, a pele e os músculos como se os conhecessem na intimidade. A continuar assim talvez o nirvana estivesse próximo. Fechei os olhos e deixei-me levar. Nestas coisas, palavras só atrapalham. Apenas ouvia a sua respiração. Apenas sentia o  discreto perfume da sua juventude.
-Está a ficar mais aliviado, perguntou Diana
-Quase aliviado. Está a ir muito bem. Pode continuar.
Quando terminou, abri os olhos e vi Diana sorridente e confiante no seu trabalho.
-Venha amanhã à mesma hora.
-Já amanhã? Outra vez?
-Claro, cavalheiro. Nestas coisas o mínimo são dez dias seguidos. Vai ver que aguenta.
Depois do que se passou, tenho de confiar na Diana. Garanto que saí mesmo muito aliviado. E recomendo o serviço das meninas, a quem precisar. Uma tendinite não é pera doce. E agora até já posso voltar a teclar para escrever a crónica do
Cota-Diano

15 Fev, 2018

Tempo de comboios

No comboio dos atrasos vai gente que a gente esquece
Vai quem nunca chega a horas e às vezes nem aparece
Devagar devagarinho eu conheço tantos casos
De quem passa a vida inteira não comboios dos atrasos

                       Sebastião Antunes

No tempo, quase mítico, em que os comboios chegavam até a sitos recônditos de Portugal, eu fazia viagens com minha avó. Para ela, eram viagens de saudade para rever os filhos e os outros netos, que as distâncias, hoje curtas, tornavam difícil. Para mim, ainda não cota, nem diano, ia pelo prazer de sair daquele horizonte limitado, por serras que nos encerravam num microcosmos, só quebrado pelas ondas hertzianas, que moravam na taberna (chamada venda) do Armandinho, digo senhor Armandinho. (dobra a língua dizia a avó)
Saíamos, na velha camioneta, quando a luz jorrava por detrás dos montes, onde fora repousar das agruras de um dia duro. Depois de horas de sobe e desce, onde parecia que os serros é que se deslocavam, chegávamos à antiga Pax Júlia romana, hoje dita Beja. Aí repousávamos numa pensão familiar, onde os hóspedes transitórios seroavam contando histórias de vida, algumas mirabolantes, que muito me encantavam.
Ao romper de mais um dia íamos até à estação ferroviária, onde as locomotivas, expelindo fumo, como fumador viciado, se preparavam para rebocar carruagens cheias de vidas em movimento. Anciãos com os seus fatos de serrobeco, velhas senhoras com os seus longos vestidos de chita, e o inseparável lenço na cabeça, algumas damas de ouro e alguns valetes aperaltados, dividiam-se no cais para tomarem o seu lugar. Nós íamos na carruagem de terceira, com bancos de pau envernizado. Outros iam em segunda ou em primeira de acordo com as suas posses, mas todos partíamos e chegávamos à mesma hora.
Quando o chefe da estação levantava a bandeira e soprava um apito estridente para dar a partida, aquela geringonça, gemia num som de ferros que se afagavam, e arrancava aos solavancos como se tivesse pouca vontade de ir a algum sítio. Depois, a pouco e pouco, “pouca terra, pouca terra”, ganhava confiança e velocidade, deixando espantada a passarada, que pousava sem pagar bilhete no seu telhado. O fumo saído da chaminé da máquina, escorria ao lado das janelas, sobre as quais era proibido debruçarmo-nos. Um vendedor de tecidos, muito viajado, entretinha os outros passageiros, com as suas aventuras ferroviárias. Uma delas deixava-me, na minha ingenuidade verdadeiramente  assustado. Dizia o fulano, que um dia o comboio se incendiou, e que teve de saltar pela janela, mas acentuava, só depois de atirar o fardo de fazendas, a sua riqueza e porque isso sim tinha que se salvar.
Na nossa viagem tínhamos de mudar pelo menos duas vezes de comboio, informação que a minha avó, semianalfabeta, mas muito desenrascada, conhecia a preceito. Nunca se enganou, num transbordo. A técnica dela era simples: quando chegava a uma estação de mudança, perguntava a um funcionário, a que horas e em que linha parava o nosso comboio. Recebida a resposta, voltava a fazer a mesma pergunta a outros ferroviários. Não haja dúvidas, método científico infalível. Só depois de testar a informação, várias vezes, com o mesma  resposta estava garantido o resultado.

Neste comboio, ronceiro, não havia muitos atrasos, nem gente que andava sempre atrasada. E se em cada estação mudavam as pessoas continuava a mesma convivência simples e despretensiosa. Era um país sem pressas, que ali viajava, mas que chegava sempre a qualquer lugar. Não havia cotas e muito menos dianos. Havia velhos, moços, de todos os géneros e feitios , bias, tós, chicos, manéis, zés, como este escriba, com pouco ou nenhum tempo,  para estados d`alma depressivos. Palavra de escuteiro do
Cota-diano
E para quem gosta de uma canção tradicional, aqui vai o link: o comboio da Beira Baixa:

 

 

11 Fev, 2018

Campeões

 

IC2H40D3.jpgImagem Sapo

 

 

Nós portugueses temos uma história rica de êxitos. Vejam-se alguns exemplos: Afonso Henriques deu tareia na mãe quando esta andava de mesa e pucarinho com um tipo lá das "galizas"; Nuno Álvares Pereira deu uma coça de criar bicho nos Castelhanos, quando achavam que nos iam dar uma cabazada; João IV ganhou a guerra aos espanhóis num "campeonato" a  várias mãos; e até os franceses levaram para contar, quando nos quiseram tirar a "taça"; na expansão marítima fomos os primeiros no mundo. Em todas estas provas fomos campeões. Temos estofo de campeões, mas não acreditamos. Temos de começar a acreditar.

Os rapazes do futebol de cinco, agora futsal, deram hoje aos espanhóis, que são e sempre foram mais que nós, uma lição de vontade de ganhar. Ficaram a saber com quantos paus se faz uma canoa. Somos um país pequeno em dimensão, mas com uma alma tamanho do mundo. Quando queremos fazemos, porque sabemos fazer. Muito bem malta do futsal, o mundo está aos vossos pés. Portugal rima com campeão.

imagesEY0CWBSP.jpg 

Depois da má experiência com a visita ao massagista redimi-me e voltei às meninas. As mãos das meninas da fisio são muito mais delicadas. Desta vez fui recebida pela Marta que me inspirou e a quem dedico esta crónica que nunca lerá. Não porque não queira mas porque não tem tempo, e porque não sabe que escrevo e publico no Escritartes, que fez dez felizes anos. A Marta é uma moira de trabalho. Quase só trabalho.No centro de fisioterapia, onde labora, não tem mãos a medir. Anda entre gabinetes numa roda viva. Tão esguia que parece transparente. Tão rápida que quase não se ve. Tão discreta que não sei se existe.
-Bom dia senhorita Marta
Entre para o gabinete 1. Já vou aí, diz uma voz saída de um dos vários gabinetes.
Despojo-me dos trapos que encobrem as adiposidades e imperfeições da pele curtida por muitos anos de labuta diária. Quando a Marta chega, formosa mas apressada, já estou preparado para a sessão de restauro. Enquanto as suas delicadas mãos afagam com saber os músculos rebeldes, cantarola uma melodia que ouve no som ambiente. E vai relaxando o corpo e o espírito Uma moleza doce começa a invadir-me. Terminada a massagem, a Marta põe-me umas placas  quentes no lombo, e liga-me o braço à corrente eléctrica.
Senhor José diga se está de mais?
Cuidado Marta não vim cá para ser electrocutado. Reduza lá isso.
E aí vai ela a correr para outro paciente. Pouco sei sobre a Marta. Em pouca conversa ou em conversas cruzadas, sei que gosta de cozinhar e faz muito bem bolachas, que tem um irmão bombeiro, que estando de baixa na altura dos incêndios foi pedir alta que não lhe foi concedida, e ficou muito triste.
-Feita apenas de voz a Marta pergunta: -Senhor José se as placas estiverem muito quentes, avise-me
-Está mesmo muito quente senhorita.
-Já lhe vou pôr mais toalhas.
-Fico à espera, mas veja se chega antes de eu estar assado para o jantar.
Entretanto aproveito a boleia do calor, fecho os olhos e quando dou por mim estou nos braços de Morfeu, até as mãos delicadas da fisio me resgatarem do mundo dos sonhos.
-Por hoje está despachadinho, senhor José
-Quer dizer que amanhã há mais. Cá estarei.
Parto para outra, enquanto a Marta é engolida por um qualquer gabinete. Nos dias seguintes a cena repete-se. Até já a assumi como uma rotina onde a soneca é a cereja em cima do bolo.
Mas nada se pode dar como adquirido e o que é bom nem sempre dura. Eis que chega uma nova paciente. Ocupa o gabinete que fica ao lado do meu, e deu logo para perceber que tinha a síndrome da tagarelice. Talvez por não se ter apercebido, que a cortina de plástico que faz a divisória, não tem insonorização, não deu descanso à língua, aos ouvidos da Marta, aos meus e aos de quem não seja surdo. Num abrir e fechar de olhos pôs a vida a nu. Assim fiquei a saber que era professora, quarentona, que não há jovens nas salas de professores e que ia a banhos para Monte Gordo.
E a Marta:  pois…sim…eu quando vou à praia…não gosto de lagartar ao sol…
 Quero lá saber da vida da gralha?  De quantos namorados teve, de quantas vezes faz sexo, de qual é a melhor posição. Ou se foi manjar a um estrela Michelin do chefe Avilez, se foi muito feliz em Veneza, se usa bikini ou gola alta, se viaja muito. Quero lá saber? O que eu quero é dormir. Meu rico soninho.
E a Marta: pois…sim…eu gosto de cozinhar e sem demérito faço um arroz de marisco de lamber os beiços.
Perguntei à Marta quantos sessões faltavam para acabar o tratamento.
-Faltam cinco, senhor José.
Dispenso. Acho que já não preciso.
Fosse porque tinha que ser ou por milagre o facto é que fiquei muito melhor. Até ver não vou precisar da fisio. E se voltar a precisar, espero que a gralha tenha ido para as Selvagens falar com as cagarras. Mas agora ainda admiro mais a Marta. Não só pelas suas mãos de fada, pela sua faceta canora,  mas pela pachorra com que foi dotada para as agruras dos cota-dianos

02 Fev, 2018

Conversa de chacha

Há quem diga que a idade está na cabeça, mas o corpo passa ao lado de teorias e segue a normal marcha da natureza. Por mais que diga ao meu que não seja queixinhas, que não se deixe abater por uma dorzinha aqui, uma ardor acolá, um mal estar “acoli”(aiaiai) não me ouve. Não ouve mesmo. Vai daí, por mais que diga ao meu ombro que não ligue ao protesto dos tendões, e ao seu choradinho, o facto é que não se cala. É pior que bebé chorão. E tanto me chateou que lhe fiz a vontade e levei-o ao massagista. Estava sentado na sala de espera, com direito a senha e a ecrã plano de televisão, quando saiu do gabinete de massagens um paciente seguido do de um matulão “praí” de um metro e noventa. Reparei nas manápulas que saiam das mangas da bata branca. Era o homem das massagens. Mandou-me entrar e depois de um breve diálogo pediu-me para me deitar, em cima de uma marquesa. -Dispa-se, deite-se de bruços e imagine que está em cima de uma marquesa de verdade, disse Nada mal para começo de tratamento. O cavalheiro mostra sentido de humor, embora brejeiro. Aceito, como processo de descontrair o paciente e criar proximidade. Palavras não eram ditas comecei a sentir a delicadeza das manápulas no meu lombo. Pancada de criar bicho. Aguenta por seres queixinhas, disse no recesso da intimidade corporal. Até a marquesa gemeu, mas foi de dor. -É pá, a sua coluna tem mais curvas que a estrada do Sabugueiro. Ainda é muito novo para estar neste estado. Agarra-me no braço puxa, puxa, roda, roda, de tal modo que este parece uma ventoinha a sair do eixo. Será que ainda está agarrado ao corpo? -Não sou assim tão novo, respondi timidamente. Pelo menos já tenho idade para ter juízo e não me meter nestas alhadas, pensei… -O quê? Não lhe dava essa idade! Se tirar as banhas e pintar o cabelo, até parece um jovem. Sabe o que lhe digo? Saia do sofá, vá caminhar, olhe para as gajas, para as novinhas claro, vai-se sentir melhor. O braço ainda está no seu lugar. Até ver. E vem mais pancada. Agora dá-me um apertão tão forte na carcaça que senti que o esqueleto se separava da musculatura. Se é que ainda tenho esqueleto no verdadeiro sentido do termo. -Pois é…coluna toda empenada…é uma pena. Caminhe…olhe para as tipas…velhas não…faça sexo…endireita a espinha e outras coisas, como o ânimo, bem entendido, sentencia o massajador. Nem dou troco à conversa. Palavras para quê? Quero é que o matulão acabe para sair dali, mas continua e volta ao braço, Roda, roda, roda, roda Roda, roda, sem parar Tanto roda, tanto roda, Que ao lugar há-de voltar Porra, além de torturador também é versejador. Deixo-me levar na onda para ver se o tempo passa. Mentalmente vou dizendo, Soda, soda, soda, soda Soda soda sem parar Deixa-me o braço num oito E ainda tenho que pagar Quando nada o fazia prever, volta o apertão da ordem. Desta vez penso que me vão sair as miudezas pela boca, mas vá lá, ainda conseguiram voltar ao seu sítio, ou quase. -É o que lhe digo comece por caminhar cinco quilómetros, dez quilómetros e depois sexo. Tem que ser, você parece um puto, tem que viver como tal… -Puto que o pariu. Quilómetros e quilómetros de sexo. Mas onde é que eu estou? Numa sala de massagens, numa câmara de tortura, ou num consultório de sexologia? A medo arrisco dizer: “não se atrase, tem muita gente à espera”. -Terminámos e não se esqueça dos meus conselhos. Aplique a minha receita e não se arrependerá. Uff! Vamos lá ver, se ao menos consigo caminhar. Quanto ao resto logo se vê. Há, se alguém tiver um corpo queixinhas, ou achar que exagero, tenho o cartão do fulano e recomendo.