Querida Alzira
Precisava de falar contigo em privado
Agripina
Mal acabei de ler a mensagem sms, não consegui evitar a ideia pouco ortodoxa, que me invadia a mente relacionada com o nome Agripina: “mas o que me quer, desta vez, a cabra gorda”? Que Deus me perdõe por tratar (ou destratar) assim a prima com quem convivia desde a infância. O certo é que parece que nasceu para me ensombrar os dias. Quando nos encontrávamos, a conversa ia sempre dar ao mesmo: sexo e ciúmes. O assunto arrastava-se-desde o tempo em que comecei a namorar com Remígio que ela considerava um burgesso sem maneiras. Até podia ser, mas o que é que a enxerida tinha a ver com isso. Melhor seria que se preocupasse com a pérola que tem em casa e, que pelos vistos, julga que é um galã irresistível.
-Os homens são todos iguais, dizia-me ela, invariavelmente, no decurso das nossas conversas. O meu Zequinha não há nenhuma que lhe escape. E o teu também não deve ser nenhum santo.
Esta constante lenga-lenga tirava-me do sério. Para mais o meu Remígio se não era santo trabalhava para a santificação. Em questões de rabos de saia nunca me deu qualquer preocupação. Ponho as mãos (ou o que for preciso) no fogo por ele. Aliás se pusesse mais um pouco de fogo na relação, não se perdia nada. Para ele sexo é uma obrigação para não dizer um sacrifício. É um mouro de trabalho e chega sempre a casa a desoras e cansado. No início ainda mantinha a chama acesa, mas depois foi perdendo gás.
Apliquei todo o meu charme para o seduzir. Ainda me empenhei para comprar a lingerie mais ousada. Mas nada resultou. O estupor parece que fez voto de castidade. Com muito esforço, lá estabeleci a rotina das quintas-feiras, dia menos sobrecarregado do seu calendário, mas que se vê que cumpre quase como uma penitência. No entanto, houve um período, depois do nascimento da nossa filha, em que me rejeitou meses a fio. Eu sei que um homem, genericamente falando e em sentido lato, não é de pau, e tive que pôr os pontos nos is e a boca no trombone. Não houve ninguém na família que não ficasse a saber. Depois, por estas e por outras lá consegui metê-lo no leito conjugal. Caramba que um homem pode não ser de pau, mas de vez em quando dava jeito, que diabo. Adiante, que me está a fugir o verbo para a piada revisteira.
-Os homens são todos iguais? Que adianta explicar à Agripina que casei com um eunuco mental. Não ia entender. O que lhe sobra em celulite, falta-lhe em cérebro .
Fazer o quê? Lá vou ter de a gramar mais uma vez. Prima é prima.
Querida Agripina
Encontramo-nos amanhã à hora do chá
Alzira
Quando cheguei ao local do encontro já a Agripina estava à minha espera. A sua figura destacava-se, pelo porte avantajado que ocupava num lado da mesa rectangular.
-Senta-te Alzira. Tenho grandes novidades para te contar. É um assunto melindroso. Nem sei como começar?
-Começa pelo princípio: os homens são todos iguais, E se puderes poupa nas palavras. Não me interessa conhecer as novas aventuras do teu Zequinha.
-Não te pedi para vires ter comigo para te falar do meu marido, mas para te falar do teu.
-Não me faças perder o meu tempo . Ou será que vais insinuar que ao Remígio, não há nenhuma que lhe escape. Mais valia, era sinal que também havia alguma coisa para mim.
-Prima Alzira, disse numa inversão de discurso, que me surpreendeu, tens tido notícias da ex-mulher do teu sobrinho Arnaldo, isto é da Deolinda?
Conhecendo como conheço a Agripina, disse para os meus botões “este mato tem cachorro” e estava certa. “É assunto que não costumo abordar com o Arnaldo”, disse balbuciante.
--Mas com certeza que sabes, insistiu Agripina, que continua a viver no mesmo apartamento. Constava que o ex lhe pagava as contas, pois sabe-se que ela nunca teve uma boa relação com o trabalho.
-Ó Agripina, estou-me nas tintas para quem lhe paga as contas, atalhei.
- Mas não devias estar, porque quem lhas paga é o Remígio, o teu marido.
Passei-me, perdi as estribeiras, tirei todos os filtros, perdi a compostura “ó grande cabra obesa, a minha paciência para os teus devaneios chegou ao fim. Não vou dar mais cobertura às tuas intrigas doentias”.
Levantei-me. Agarrou-me no braço e colocou-me na mão o seu telemóvel. O que meus olhos viam parecia-me surreal. Na imagem de um pequeno vídeo o Remígio saia de um prédio abraçado à Deolinda. Como era possível?
-Lamento Alzira, nunca me deste ouvidos, mas os homens são todos iguais.