A técnica do lenço
Acontecem coisas estranhas. Fila para o multibanco. À minha frente uma dama. Atrás da dama eu, mais ninguém. Escurece. A dama termina a sua operação e deixa cair a chave da viatura. Afasta-se. A chave fica. Aproximo-me para apanhar a chave, mas hesito. Lembro-me da técnica do lenço. Para quem não a conhece digo que foi uma técnica de engate usada em tempos idos. A dama quando queria seduzir o cavalheiro deixava cair o lenço para que este o apanhasse. Se a vítima caísse por ingenuidade ou por vontade de entrar no jogo começava o jogo da sedução. Palavra puxa palavra, sorriso puxa sorriso, gesto puxa gesto e a coisa podia ir até às últimas consequências.
Fila para o multibanco. A dama à minha frente acaba a sua operação. A chave da viatura escorrega das suas mãos e estatela-se no empedrado com um som metálico. A dama afasta-se indiferente. Vou apanhar a chave mas lembro-me da técnica do lenço. Será uma versão adequada aos tempos que correm? A dama conhece a técnica do lenço? Não arrisco. Digo: senhora deixou cair a chave. A dama voltou-se com um sorriso amarelo apanhou-a e afastou-se. Se era truque para princípio de conversa ou para me levar a conhecer a sua viatura não resultou. Se foi um acto fortuito deve ter pensado cobras e lagartos imaginando com razão que não há cavalheiros à antiga.
A dama que estava à minha frente na fila do multibanco apanhou a chave que deixara cair e afastou-se. Anoitecia. Podia ter-lhe apanhado a chave mas não o fiz. Lembrei-me da técnica do lenço. Em desuso mas nunca se sabe. Nesta técnica a dama usa o lenço para engatar o cavalheiro. Depois este decide. Se gosta ou não da dama, se é uma vamp ou um camafeu. Há muitas variáves. Apanhar ou não apanhar a chave eis a questão. Mas afinal qual é a dúvida? São coisas que acontecem. A que propósito vem a história do lenço? Há lembranças estranhas. Reminiscências?
MG