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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

12 Nov, 2013

Final feliz

Palco

 

Átrio da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 

 

 

 

Cena I

 

Caminho com o meu ar blasé por entre uma multidão de figurantes. Mas que coisa é essa de ar blasé? É uma pertinente interrogação. Pode ser apenas uma figura de estilo para dar ao texto alguma consistência literária. Pode mas não é só. Explico. Vestido de ganga, mesmo de contrafacção, cabelo ligeiramente despenteado, barba de três dias, andar vagamente ausente e distraído como quem paira deslizando ou desliza pairando.

 

Cena II

Passo por grupos e grupinhos em alegre ou sisuda cavaqueira, cruzo-me com gente embrenhada (possivelmente) nos mais desvairados pensamentos, tal como eu. Eis senão quando sou barrado, literalmente, por duas graciosas e blasés jovens que se interpõem no meu caminho. Tanto quanto é possível reagir em tempo oportuno, estaquei algo assustado pois podia estar a ser alvo de um assalto. Respirei fundo e sosseguei o espírito pois assalto no meio daquela pequena multidão não tinha cabimento. Além disso, assaltado e cada vez mais mal pago sou eu todos os dias por caras bem menos simpáticas que ainda por cima me acusam de gastador de recursos que não produzo.

 

Cena III

-Este cavalheiro pode ajudar-nos, disse a mocinha que parecia mais ousada. Ousada até no vestuário que lhe desenhava as sinuosas linhas do corpo com aquelas saudosas curvas da antiga estrada da Beira. Ajudar? Mas porquê eu? foi a primeira ideia que ma veio à mente. Não estou identificado como ajudador, nem me lembro de ter feito recruta nos escuteiros. Olhei algo perplexo para a outra dama que aflorou um sorriso por cima da sua blusa decotada, de onde me espreitavam uns seios atrevidos. Desci o olhar fugidio até uns calções envergonhados por esconder um resto de pernas roliças. Senti a mente fugir ao controle dos limites dos impulsos que refreiam os desejos. Lamentei-me das incapacidades causadas pela PDI. Tudo em menos tempo que leva a contar.

 

Cena IV

-Sabe dizer-me onde está a decorrer o Festival de Teatro, disse a curvilínea moça. Ainda me apeteceu usar um lugar comum, "só sei que nada sei", com sentido de tirada intelectualóide, para impressionar, mas refreei-me. Seguramente não era essa a praia das gostosas mocinhas. Pela amostra a sua praia era mais a ondulação de escaldantes dunas que lhes moldavam a existência. Isto sou eu a imaginar. Mas o teatro também não era a minha praia, com muita pena, pois sempre fui atraído pelas luzes da ribalta. O meu único teatro é o do sombrio dia a dia, o meu palco é o da vida onde não passo de mero figurante.

 

Cena V

 - Não sei, foram as únicas palavras que consegui articular. Não sabia mesmo. Educadamente agradeceram. Seguramente desiludidas por entre tanta escolha apostarem no cavalo errado. Cavalo não, antes burro. Se assim não fosse teria logo ali inventado uma narrativa e revolvido seca e meca para levar as mocinhas a bom porto. Teria cometido uma boa acção, não as desiludiri e conseguiria um final feliz. Porque raio é que este acontece tantas vezes no teatro e nem sempre na vida?

 

MG

 

Pelo São Martinho, mata o porquinho, prova o teu vinho e não te esqueças do teu vizinho.

 

Probérbio

 

 

Este provérbio transporta-nos para um tempo quase mítico de um Portugal desaparecido. Para o tempo em que pelas aldeias do país se matava o porco criado com carinhosa familiaridade durante um ano inteiro. A matança do porco garantia de "conduto" ( chouriço, toucinho, presunto)até à próxima matança era uma festa na qual participava a família alargada, a vizinhança e muitos amigos. E esta cerimónia multiplicava-se como um ritual iniciático desde Novembro até Janeiro, perpassando por todas as casas da povoação.

 

A prova do vinho novo que acontecia nesta altura, tinha âmbito mais limitado, pois nem todos os camponeses se podiam dar ao luxo de produzir vinho para consumo próprio. Podia, no entanto,  encontrar-se nas tabernas dos meios rurais

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No dia em que se matava o porco, fazia-se um banquete onde se devorava uma caçoila da melhor carne do bicho. E depois de feitos os enchidos, sempre sobravam uns restos, que eram distribuídos pelos vizinhos. Na vida pobre dos pequenos proprietários rurais não faltava o sentido de entreajuda. Vivia-se modestamente mas com dignidade e solidariedade. Vivia-se com parcos recursos e com sentido de realismo. 

O progresso no bom e no mau sentido, pôs fim a esta prática milenar. Resta a sua lembrança cada vez mais diluída na poeira dos tempos. Resta a lembrança de tempos duros e difíceis, mas onde os valores não eram uma mera retórica embrulhada na deificação dos mercados, do salve-se quem puder. 

 

MG

imagem net

 

Não tenho emenda. Mesmo depois de justamente "admoestado"  por zeladores da vida ao ar livre fui novamente enfiar-me num Shopping. Mas ao menos tenho a atenuante de que estava a chover. E como não podia deixar de ser enfiei-me numa livraria (do mal o menos) que não vou nomear ( para não fazer publicidade).Como ando a descobrir o grande escritor brasileiro Ruben Fonseca (mea culpa, mas há tantos para descobrir) agarrei no seu romance intitulado "O seminarista" (merece divulgação) e sentei-me a folheá-lo. Achei o título curioso, porque por cá nós também tivemos um seminarista que nos governou cerca de quarenta anos e ainda me torrou a paciência. Comecei a ler o livro do Ruben ( a escrita dá-nos  estas liberdades de tratamento) apercebi-me que o personagem principal, designado como o Especialista se assumia como matador profissional e nos ia contando como despachou alguns sujeitos a troco de bom pagamento. Mas dizia ele, o matador, que eram todos tipos ruins  e o certo é que este ex-seminarista nunca tratou mal nenhuma das avezinhas do céu. Achei então que tinha muitas semelhanças com o nosso seminarista que também deu carta branca aos seus algozes para tratar da saúde aos perturbadores da sua ordem. Tudo a bem da nação. Não sei se gostava das aves do céu, mas sei que protegia as da terra, pois consta que criava galinhas no quintal do palácio do governo.

Entretanto, sentaram-se ao meu lado, à direita e à esquerda, duas damas jovens e bem apresentadas. Ainda trocámos uns olhares ocasionais e fugazes (sem qualquer intenção acho) e voltámos a embrenhar-nos nas nossas leituras. A esta altura já o Especialista tinha acumulado um bom pé de meia e podia dedicar-se às suas paixões, a poesia e as mulheres, tendo até começado um relacionamento sério com uma jovem de nome "Kristner" que parecia transportar para a acção algum mistério. Voltei a trocar olhares menos fugazes (não tem mal),com as damas, mas antes de começar a pensar coisas lembrei-me que já não sou nada jovem (a não ser em espírito) e que a natureza ingrata não me dotou com um corpo de Adónis, olhos azuis e cabelo louro com reflexos vermelhos ou com a pinta de um actor dos anos 50. (Gregory Peck, por exemplo) Antes pelo contrário, pensei, sou mais tipo Sarkozy, Berlusconi (salvo seja) ou Dustin Hoffman ( num registo cinéfilo). Para não haver tentações estava na hora de zarpar e devolver o livro ao seu repouso. Mas hei-de voltar, pois estou mortinho por saber como vai o Ruben tratar o seminarista (o nosso já não incomoda). Com bom ou mau tempo hei-de ir a uma livraria de rua (quem sabe se a Lello). E porque vem aí o fim de semana vou-me embebedar de futebol. (Benfica -Sporting para acabar em alta). Sim, porque depois volta a apagada e vil tristeza, com comentadores a chamarem-me preguiçoso e gastador e as agências de vigarice(chamadas de rating) a dizer que sou lixo.

 

MG

Perguntam-me muitas vezes porque motivo nunca falo do governo nestas crónicas e pergunta surpreende-me sempre. Qual governo? É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento. Claro que as crianças lhe acrescentaram um pin na lapela, porque é giro

-É pá embora usar um pin?

que representa a bandeira nacional como podia representar o Rato Mickey.

 

Um Dó, Li, Tá

 

António Lobo Antunes ( Crónica, Visão)

 

 

Depois de se ouvirem doses maciças de apelos à inevitável austeridade feitos por gente sisuda na comunicação social, autênticos marretas a conjugar marretar no presente, no passado e no futuro,

 

gastamos 80 recebemos 70, isto não pode continuar, porque os credores blá, blá, blá...não podemos ter este estado social blá. blá, blá,

 

sabe bem ler esta deliciosa prosado lado errado da vida.

 

e se dois homem se juntam para comer um frango e apenas um o come, pode concluir-se que cada um comeu metade? Afinal quem gasta? Somos todos ou alguns gastam mais que outros?

 

Do lado errado é onde está o sonho, é onde está a utopia que dá sentido à existência vivida e assumida como projecto de valorização do ser.

 

e se o homem come o frango porque é que nós é que temos que o pagar? Se ele o come porque não o paga? Os belmiros, os jerónimos martins, os américos amorins, os espirito santo e por aí fora!

 

Mas os marretas blá, blá, blá, não querem valorizar o ser. Os marretas e os roedores de frango que lhes atiram umas miudezas. Os marretas, os roedores e os seus meninos de mão. Transformaram o país numa espécie de jardim da celeste, giroflé, giroflá.

 

estamos a salvar a nação da bancarrota giroflé. Criamos desemprego, confundimos pessoas com números, empobrecemos os mais pobres,congelamos a economia, que se lixe, giroflá

 

Vai bonita a brincadeira. O maralhal, os ingratos não entendem. Só pensam nas mil e uma maneiras de comer frango. Não se contentam em criá-lo. 

 

não comem , não comem, não comem. Já comeram de mais. Endiviram-nos a comê-lo! Hoje já deste brilho ao teu pin? O meu até ofusca! Hão-de aprender a ser homenzinhos como nós, giroflé, flé, flá

 

Ali brincam à macaca com as nossas vidas. Ali descem escorregas para o abismo. Ali se baloiçam na nossa descrença, no nosso desânimo.

 

foste ao jardim da celeste, o que foste lá fazer? Fui lá brincar aos governos giroflé para aprender a crescer giroflá  

 

É hora de fazer orelhas moucas aos marretas, é tempo de dividir o frango a sério, é tempo de tirar o pin às criancinhas, é  tempo de dar asas ao sonho, de dar ouvidos aos criadores de utopias que nos tiraram da escravatura e da servidão. Voltar? Outra vez não. Se não criarmos o frango ninguém o come. Aí está a nossa força.

 

MG

 

 

 

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euacuso.b

 

O senhor presidente da FIFA referiu-se ao jogador de futebol Cristiano Ronaldo de uma forma grosseira. Designando-o como o "outro" procurou num registo pretensamente humorístico desvalorizá-lo. Contrariamente à onda de patriotismo que por aí circula considero que lhe saiu o tiro pela culatra. Acabou por valorizar Ronaldo e se desvalorizar a si próprio. Na mesma linha de raciocínio também não acho que as alusões ao jogador português atinjam todos os portugueses. Ronaldo é apenas um cidadão em cerca de dez milhões. O que atinge um cidadão mesmo mediático e competente na sua profissão não pode atingir toda uma nação. E nem deve sequer atingir o mundo do futebol. Este mundo é representado por milhares de praticantes desconhecidos que dão o seu melhor pela modalidade. Além disso Ronaldo está a  fazer de forma correcta e exemplar a sua defesa. Sem dramatismos e sem qualquer tique de "patrioteirismo". Mal vai a nação que transfere para os ombros de uma individualidade, mesmo simbolicamente, a honra nacional. Assim a petição para demitir o senhor Blatter parece-me um exercício exagerado de defesa da pátria. Nem acredito que tenha qualquer resultado prático. Acho até que há assuntos mais prementes e relacionados com o desrespeito aos portugueses e que merecem o consumo das nossas energias. É por isso que defendo ser mais útil e necessário lançar uma petição para demitir Passos Coelho. Se alguém mais  credenciado o quiser fazer tem o meu total apoio, De qualquer modo lanço aqui as bases dessa petição.

 

PETIÇÃO

 

O senhor Passos Coelho, primeiro-ministro do Governo Português, desrespeitou os portugueses quando negou conhecer o PEC IV. Voltou a desrespeitar quando justificou a votação do seu partido com o facto de não se poder aplicar a austeridade que nele estava expressa, vindo a aplicar no exercício de funções governativas essa e muita mais. O senhor Passos Coelho continuou a desrespeitar os portugueses quando se fez eleger primeiro-ministro com promessas de não aumentar impostos, diminuir salários, cortar subsídios, baixar, retoactivamente, pensões, e fez, precisamente, o contrário. O senhor Passos Coelho desrespeita Portugal e a sua Constituição violando os seus princípios. Assim, para bem da integridade, da independência e da coesão nacional vamos demitir o senhor, Passos Coelho.

 

Mateus Gonçalves

 

PS - Espero que Catarina Osório, gestora dos destaques Sapo, dê a esta proposta de petição o mesmo espaço que está a dar à petição Blatter, apesar de ser lançada num blog dos "distritais", futebolisticamente falando.

 

 

Ortografia antiga

Consta que no dito guião da reforma do Estado (leia-se guião para despedir) está prevista a venda das escolas aos professores. Sendo as escolas propriedade pública tal intenção significa que as querem privatizar. Escolas privadas são um negócio e deixam de ser serviço público. Nesta perspectiva a educação passa a ser um valor transaccionável. Desta maneira, quem quiser frequentar o ensino tem de abrir os cordões à ,se a tiver. Logo quem não tiver bolsa bye bye escola que é como dizer vai vê-la por um canudo. Deste modo escola passa a significar privilégio de elites.

 

Mas a questão da propriedade levanta muitas interrogações e variadas preocupações. Partindo do princípio que estas não vão custar dez reis de mel coado e que os professores não nadam em ondas de dinheiro, não consigo entender como as vão comprar. Pode ter-se a expectativa de conseguir um crédito bancário. Mas a não ser que os bancos deixem de ser um negócio e passem a ser instituições de beneficência, não os vejo a emprestar dinheiro a qualquer pé rapado. Assim vender escolas a professores cheira a gozação. Só pode. No mínimo é um insulto à inteligência dos próprios professores. Nesse sentido fico descansado. É mais natural uma escola passar pelo buraco de uma agulha que ir parar às mãos de um professor. A não ser que o leque seja alargado a vastos horizontes geográficos . Aí podem ser compradas por professores chineses, angolanos ou sauditas. Começa a fazer sentido. Às tantas, esta proposta, não é um grande disparate como cheguei a pensar.

 

MG

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