Final feliz
Palco
Átrio da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Cena I
Caminho com o meu ar blasé por entre uma multidão de figurantes. Mas que coisa é essa de ar blasé? É uma pertinente interrogação. Pode ser apenas uma figura de estilo para dar ao texto alguma consistência literária. Pode mas não é só. Explico. Vestido de ganga, mesmo de contrafacção, cabelo ligeiramente despenteado, barba de três dias, andar vagamente ausente e distraído como quem paira deslizando ou desliza pairando.
Cena II
Passo por grupos e grupinhos em alegre ou sisuda cavaqueira, cruzo-me com gente embrenhada (possivelmente) nos mais desvairados pensamentos, tal como eu. Eis senão quando sou barrado, literalmente, por duas graciosas e blasés jovens que se interpõem no meu caminho. Tanto quanto é possível reagir em tempo oportuno, estaquei algo assustado pois podia estar a ser alvo de um assalto. Respirei fundo e sosseguei o espírito pois assalto no meio daquela pequena multidão não tinha cabimento. Além disso, assaltado e cada vez mais mal pago sou eu todos os dias por caras bem menos simpáticas que ainda por cima me acusam de gastador de recursos que não produzo.
Cena III
-Este cavalheiro pode ajudar-nos, disse a mocinha que parecia mais ousada. Ousada até no vestuário que lhe desenhava as sinuosas linhas do corpo com aquelas saudosas curvas da antiga estrada da Beira. Ajudar? Mas porquê eu? foi a primeira ideia que ma veio à mente. Não estou identificado como ajudador, nem me lembro de ter feito recruta nos escuteiros. Olhei algo perplexo para a outra dama que aflorou um sorriso por cima da sua blusa decotada, de onde me espreitavam uns seios atrevidos. Desci o olhar fugidio até uns calções envergonhados por esconder um resto de pernas roliças. Senti a mente fugir ao controle dos limites dos impulsos que refreiam os desejos. Lamentei-me das incapacidades causadas pela PDI. Tudo em menos tempo que leva a contar.
Cena IV
-Sabe dizer-me onde está a decorrer o Festival de Teatro, disse a curvilínea moça. Ainda me apeteceu usar um lugar comum, "só sei que nada sei", com sentido de tirada intelectualóide, para impressionar, mas refreei-me. Seguramente não era essa a praia das gostosas mocinhas. Pela amostra a sua praia era mais a ondulação de escaldantes dunas que lhes moldavam a existência. Isto sou eu a imaginar. Mas o teatro também não era a minha praia, com muita pena, pois sempre fui atraído pelas luzes da ribalta. O meu único teatro é o do sombrio dia a dia, o meu palco é o da vida onde não passo de mero figurante.
Cena V
- Não sei, foram as únicas palavras que consegui articular. Não sabia mesmo. Educadamente agradeceram. Seguramente desiludidas por entre tanta escolha apostarem no cavalo errado. Cavalo não, antes burro. Se assim não fosse teria logo ali inventado uma narrativa e revolvido seca e meca para levar as mocinhas a bom porto. Teria cometido uma boa acção, não as desiludiri e conseguiria um final feliz. Porque raio é que este acontece tantas vezes no teatro e nem sempre na vida?
MG