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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nossa! Mas que se passa? Este país ensandeceu!? Agora por tudo ou melhor por nada, toca de lançar um abaixo-assinado nas redes sociais. Ainda mal arrefeceu o abaixo-assinado para demitir o senhor Blatter, por causa de uma graçola etílica e já circula outro para levar a julgamento o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, por ofensa à bandeira nacional. Ofensa à bandeira por manifestar opinião sobre questões cromáticas? Ao que isto chegou. E então esses senhores que andam, por aí, com um pin da bandeira na lapela ao mesmo tempo que destroem o país, não cometem sacrilégio patriótico? E esses mesmos senhores que  rastejam perante os credores, não enxovalham a nossa soberania de séculos? E esses apregoados "salvadores da pátria" que reagem com silêncio de chumbo, quando instituições e personalidades externas se imiscuem nas decisões de entidades nacionais, como o Tribunal Constitucional, não merecem repulsa? E quando desrespeitam a Constituição não ofendem os símbolos da nação? Nossa! Que povo é este que apenas se indigna com questões de lana caprina ou canina? Que povo é este que é tratado abaixo de cão e só reage a ninharias? A que mais abaixo-assinados iremos assistir, enquanto a Nação se dilui numa volúpia de loucura? Salvem-se os pins!  

"Crescei e multiplicai-vos" disse Deus, se a reprodução bíblica é exacta, depois de juntar o homem e a mulher. Não estão descritos mais pormenores, pelo que não ficou explícito se o acto sexual era limitado à procriação. Nem sequer nos "Mandamentos" há referência  ao exercício da sexualidade. Assim e com a informação disponível podemos concluir, que a prática do referido acto pertence ao livre arbítrio dos utilizadores e que é necessário praticá-lo. A gravidez é uma consequência e vem por acréscimo.

 

Em 1982, um deputado do CDS, João Morgado, mais papista que o Papa, fez durante o debate da despenalização da interrupção da gravidez, a seguinte afirmação: "o acto sexual existe para procriar".  Logo a deputada e excelsa poetisa Natália Correia lhe deu resposta adequada num poema que ficará como um clássico da poesia satírica. Para quem assistiu em directo a esta pérola "parlamentar" e para quem não a conhece aqui o reproduzo para recordação ou conhecimento. E presto modesta homenagem a essa grande mulher da cultura portuguesa.

 

Truca-truca

 


“Já que o coito - diz Morgado -

 tem como fim cristalino,

 preciso e imaculado

fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão

 sexual petisco manduca,

 temos na procriação

prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,

 lógica é a conclusão

de que o viril instrumento

 só usou - parca ração! -
Uma vez. E se a função

faz o órgão - diz o ditado -

consumada essa excepção,

ficou capado o Morgado.”
(Natália Correia - 3 de Abril de 1982)

 

PS

 

 

 Não leve a sério o Morgado!

Se o coito lhe dá prazer,

faça-o que não é pecado

e é isso que Deus quer.

Porque se não o quisesse,

para fazer a procriação

inventava outro sistema

que não a fornicação.

E no pestico sexual

a dama também manduca

porque o direito é igual

na arte do truca-truca.

Use pois o instrumento,

essa é a sua função

não seja como o Morgado

capado por devoção.

 

MG

 

 

 

 

 

 

 

Todos sabem. Deus criou Adão e descansou. Mas por pouco tempo. Olhou e viu-o acabrunhado de tristeza. Mas porquê se tinha todo o mundo para si? Olhou de novo, leu-lhe o pensamento e percebeu: Adão tinha acabado de inventar a solidão. Deus reconheceu a sua falha e resolveu agir. Esperou que Adão adormecesse, tirou-lhe uma costela e fabricou a mulher, Eva. Olhou, viu felicidade no rosto de Adão, gostou e concluiu que podia finalmente descansar. Antes, com a autoridade de um pai disse: crescei e multiplicai-vos. E assim se fez. O multiplicador começou a funcionar mas com pouca equidade. Multiplicava mais as mulheres que os homens e de tal modo que muitas ficavam sem companheiro. Para compensar a situação e perante a ausência de Deus, alguns homens multiplicaram-se por várias mulheres. Sem maldade tinham inventado o adultério. Concomitantemente nasceu o pecado. Para dar a volta ao texto, de forma subtil, o profeta Maomé fez contas e decretou que cada homem devia cuidar de sete mulheres. Assim se fez e extraordinariamente se equilibrou o que o multiplicador desequilibrava.

 

A cristandade não adoptou a norma e o problema continua a persistir. Foram porém as mulheres que encontraram a solução. Para sairem do domínio masculino, conquistaram a sua autonomia. Sairam da situação de dependentes e invadiram todas as profissões onde, dado o seu estatuto demográfico, aparecem em maioria.

 

É por isso que na pastelaria onde vou tomar café trabalham, para além da proprietária, mais três empregadas. Tudo evas. Chego até a interrogar-me se o que me atrai para aquele espaço é o delicioso sabor do café ou a deliciosa presença das simpáticas evas. Até porque logo que entro e me aproximo do balcão, uma eva loura e reconchuchudinha me atinge com o olhar e me fuzila com um largo sorriso, fazendo a pergunta sacramental: -É um carioca cheio com adoçante? Quando acabo de confirmar, pela enésima vez e a moça se vira para se dirigir à máquina já  uma outra, morena com corpo modelito, colocada estrategicamente, está a tirar o café. Parece que tenho dois amores, mas não. Eu sou realista. Sei que isso não se deve aos meus lindos (sem falsa modéstia) olhos. Deve-se concerteza apenas a eficiência profissional que às vezes é tanta que quando chego ao balcão já lá está o fumegante café. Ouso até afirmar que quando Deus criou a mulher não a pensou tão  determinante na felicidade da humanidade. Só tenho pena que não tenhamos direito a mais que uma quando não somos muçulmanos. Pondero tornar-me mormon. E porque Deus não estipulou quantas mulheres podemos ter sinto-me com livre arbítrio de escolher mais umas evas. Só espero que a minha eva não leia isto, senão ainda me põe fora de casa. De qualquer modo e pensando bem, se isso acontecer, sei que há por aí muitas evas e tenho esperança que alguma me acolha. Ou não!?

22 Nov, 2013

Parabéns Sapo

A equipa do Sapo tem toda legitimidade em destacar quem quiser. Enquanto leitor também tenho o direito de discordar. Por norma não o faço. É seara onde não meto a minha foice, mesmo quando é evidente que nessas escolhas não existe verdadeira equidade. Não é preciso estar muito atento para constatar que há blogues que possuem, na plataforma, uma espécie de avença por estarem sempre em destaque. Refiro a título de exemplo um blogue chamado Estado Sentido, mas há outros. Admito que esta visibilidade esteja relacionada com a sua qualidade, resultante de ser um espaço colectivo onde escrevem pessoas com alguma notoriedade. Já me custa acreditar que a sua linha política/ideológica seja razão do seu destaque contínuo.

 

Acontece que esse blogue que vou visitando, uma ou outra vez, por estar sempre no meu caminho, publicou um texto, intitulado "O desaparecimento de Soares"  que ofende a integridade de carácter do referido cidadão. Aí é acusado, sem provas, de corrupção, de prática ditatorial, da condição de "bobo"  O cidadão Mário Soares foi um dos principais obreiros do nosso sistema democrático. Por vontade popular foi Presidente da República durante dois mandatos. Homem com virtudes e defeitos, com decisões certas e erradas na sua vida política, não merece tal enxovalho. Mas fica com quem o faz. Agora o que mais me indigna é o destaque deste texto. Ainda quero crer que que a sua selecção não tenha sido precedida da sua leitura. Do mal o menos. Mas se assim não foi tenho que concluir que a secção de destaques prestou um óptimo serviço à verdade e à democracia! Parabéns Sapo!

 

MG

 

 

21 Nov, 2013

Descalço

 Durante a minha infância a pobreza era assumida como um destino. Mais pobre que os pobres era o Descalço caldeireiro itinerante. Em tempos de apologia da pobreza aqui lhe presto justa homenagem, esteja onde estiver.

 

 

Descalço nasceu pra vida

descalço continuou

sapatos nem de defunto

nunca nos seu pés usou.

Num saco de linho sujo

trazia a sua existência

um prato, um copo de vinho,

e a sua competência.

A sua casa era o mundo

dormia em lençóis de nuvens

tapado com raios de sol

vestido de vagabundo

num andar de girassol.

 

No adro da velha igreja

exercia a profissão

remendava uma panela

velha na sua função,

numa chapa de metal

desenhava um belo peixe

para a sua refeição;

envolto em manta de vinho

deitava o sono no chão

fosse inverno ou fosse verão. 

Partia como viera

até um dia voltar

o nome que mãe lhe dera

não sabia soletrar

nem na forma de sonhar.

 

Descalço nasceu na vida

sapatos nunca rompeu

saiu sem despedida

e nunca mais apareceu

foi numa rota perdida

ou

descalço foi para o céu.

 

MG

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O abominável homem das neves é uma lenda. Uma espécie de papão para assustar criancinhas. Não há nenhuma prova concreta da sua existência. Contudo um acontecimento recente talvez levante uma hipótese a explorar. Trata-se de um indivíduo de nome César das Neves (o nome confere) que produziu declarações que dificilmente podem ser atribuídas a um ser humano comum. Diz tal sujeito que aumentar o salário mínimo é prejudicial para os pobres e acrescenta que a maioria dos pensionistas diz-se pobre mas não é. Mas o mais significativo é que este tipo de declarações é recorrente.

 

Em tempos idos o César da Neves disse  que "nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres (...)Um dia(...)  Portugal gastou. Criou autarquias e dinamização cultural, comprou frigoríficos e televisões, fez planeamento económico, exigiu escolas e hospitais". Quem elogia o país dos anos sessenta, pobre, atrasado, pacato, miserável e analfabeto tem características humanas? Quem acha que ter frigorífico, escolas e hospitais é um luxo, passou pelo processo de hominização? Não acredito. Esta criatura, disfarçado de economista e professor na Universidade Católica só pode ser um émulo do abominável homem das Neves.

 

Analise-se. Defende a pobreza como modo ideal de vida. Ter direito a uma habitação condigna é um escândalo. Viver com água canalizada, luz e saneamento básico é um pecado. A educação é um desperdício. Receber uma pensão para a qual contribuiu é um sinal de riqueza. Emigrar um desígnio.A virtude está na pobreza. O ideal será sobreviver no limite. A recompensa estará no além. Não é assim que vive, nem nunca viveu tal criatura desde que desceu das montanhas para pregar a miséria dos outros.

 

Está a reproduzir-se. Tem muitos e sequazes seguidores. Andam por aí. Na comunicação social e sobretudo no Governo da Nação. O país está entregue a muitos abomináveis homenzinhos das neves.

 

MG

O ministro da (des) educação tem exercido o seu mandato como liquidador do ensino público. Não se lhe conhece qualquer teoria sobre educação nem nenhum visão estratégica sobre o sistema de ensino. Governa à maneira talibã com medidas avulsas desgarradas e sem coerência. Vai cumprindo paulatinamente a missão de destruir a escola pública. Mas a sua medida mais caricata é a avaliação de docentes com anos de serviço através de um exame de contornos indefinidos.

Tenho algum conhecimento de causa. A profissão docente é muito complexa. Um professor começa por fazer a sua formação científica numa Universidade que a credita. Depois faz a formação pedagógica em serviço ou também a nível universitário. Tem de ser creditado novamente. Ao longo da sua carreira faz constantes cursos de actualização. O resto é experiência no âmbito de uma sala de aula perante cerca de trinta alunos, muitas vezes indisciplinadas e com pouca vontade de aprender. Para além disto tem de lidar com a pressão dos encarregados de educação sempre disponíveis para responsabilizar os docentes pelo insucesso escolar. Para resistir é preciso muitas vezes uma forte personalidade. Haverá melhor avaliação que esta? Como se avalia um profissional com anos de serviço, numa prova de uma ou duas horas? E avalia-se da mesma forma um professor de matemática e um de português? Das duas uma: ou esta prova é para "inglês ver" ou é utilizada como pretexto para despedir à margem da Lei. Digo convictamente:  quem devia ser avaliado em primeiro lugar era o ministro. Duvido que passasse na avaliação para a função que exerce.

 

MG

 

PS :Os docentes que combateram com êxito Maria de Lurdes Rodrigues, por muito menos, onde estão?

 

No dia em que ia fazer onze anos José acordou, como sempre acontecia, com a luz matinal que de mansinho escorria pelas frinchas do caniço. A tenebrosa escuridão que o mantinha escondido, entre a enxerga e o cobertor, ia desaparecendo tal como os medos que à noite lhe povoavam a mente.

Percorreu ensonado o corredor que o levava até à pequena cozinha da casa dos seus avós com quem vivia por opção. Da esculateira desprendia-se o aroma do café de cevada que todas as manhãs lhe aconchegava a barriga. Sentou-se na acanhada e tosca mesa. A avó Maria, alta, magra, quase esfíngica, colocou numa tigela de barro as sopas de café, cheirosas e fumegantes.

O avô José Carpinteiro, pequeno mas maciço, regressou da sua ida até à venda do Serafim, volta que dava todas as manhãs para “matar o bicho”. Olhou para o moço e disse:

-Hoje vamos pescar p’ra a ribeira. Temos de apanhar peixe para fazer uma assada. O neto ouviu e após um breve silêncio retorquiu timidamente:

-Mas eu não sei pescar, nem tenho cana de pesca. José Carpinteiro saiu da pequena cozinha de pedra solta e passados breves minutos regressou com duas canas de pesca.

-Aqui estão as canas - disse. Pega na tua e vamos partir. Temos uma longa caminhada pela frente.

José  Carpinteiro e o neto partiram em direcção ao local da pescaria. Calcorrearam as margens da ribeira durante cerca de três quilómetros. O moço nunca tinha percorrido aquele caminho Observou as cores policromas da vegetação ribeirinha Ouviu os sons dos barrancos a correr e os cantos matinais dos pássaros. Assustou-se com o resmalhar dos pequenos arbustos. Seria a manhosa raposa ou a sibilina cobra? Mas sentia-se seguro junto do seu avô.

Chegaram às Pernadas, sítio onde se juntavam duas ribeiras, que tinham decidido unir-se para enfrentaram com mais coragem a sua entrada no grande rio. O silêncio quase assustava. Não se via vivalma. Afinal era domingo., dia de descanso. De repente, a silhueta de uma figura humana desenhou-se no horizonte. Quem será? - pensou José A  figura tornou-se cada vez mais nítida. Não tinha sapatos e vestia uma roupa suja e gasta. José pensou que seria mais um pescador solitário, pois trazia consigo uma cana de pesca.

- Bom dia - disse o homem.

-Bom dia - respondeu o avô. Será que temos peixe?

O homem fez um gesto enigmático e continuou o seu caminho. José Carpinteiro olhou para o neto e comentou:

-Hoje só temos a companhia do “Descalço”.

“Descalço” era uma pessoa estranha àquela pequena comunidade rural, embora nela se integrasse temporariamente. Era caldeireiro de profissão e todos os anos aparecia com as chapas e martelos. Arranjava tachos e panelas, fazia tabuleiros de lata, e depois partia, tão discreto quanto chegara com os seus parcos haveres. Ficava apenas a sua sombra: os pequenos trabalhos, os poucos proventos, a aparente boa disposição, quando ao fim do dia o vinho escorria sem cessar pela sua goela.

Os dois pescadores instalaram-se num pequeno terraço, junto à margem e preparam-se para iniciar a pescaria. José notou que a água estava ludra mas serena. José Carpinteiro carregou os anzóis com minhocas e explicou ao aprendiz de pescador como devia proceder.

-Quando o peixe picar e esticar o fio, puxa logo a cana!

José  tinha esperança que os peixes o ignorassem. Não se sentia nada seguro. Atirou o fio para dentro de água e esperou. Quando a cana estremeceu puxou-a. Agarrado ao anzol vinha um peixe prateado que se contorcia para ganhar a liberdade. José tentou agarrá-lo, mas era escorregadio e viscoso. Soltou-se da sua minúscula mão, procurando freneticamente voltar para casa. E teria voltado, se o avô não o tivesse apanhado com a sua mão forte e sapuda. Era um belo exemplar de barbo, escamas largas e douradas. Brilhava ao sol. O avô pô-lo no velho cesto de cana.

Para José aquele peixe parecia uma prenda impossível. Era como se tivesse a missão de dar-lhe os parabéns pelo seu aniversário.

O avô voltou a alimentar-lhe o anzol. O moço lançou-o de novo para o pego. Outro peixe picou e a cena repetiu-se… O cesto enchia-se com os reluzentes barbos que rodopiavam à volta do anzol à espera da sua vez.

Ao seu lado o avô lamentava-se: - Na minha cana não pica nenhum…

-Deixe lá avô, já apanhámos bastantes.

O “descalço” voltou a passar junto a José Carpinteiro e ao seu neto, com ar cabisbaixo e desiludido, remordendo entre dentes:

- Vou-me embora. Hoje não consigo apanhar nada. Parece que os malditos se zangaram comigo.

-Pois comigo também - respondeu-lhe José Carpinteiro. Só picam na cana do moço. E têm razão. Afinal ele é que faz anos!

Quando a hora do almoço se aproximava, regressaram a casa com o cesto bem atulhado.

A avó Maria juntou uns cavacos e fez uma fogueira nas traseiras da casa. Logo que as labaredas se cansaram de crepitar, o avô pôs os peixes numa grelha de ferro, sobre as brasas. De vez em quando remexia-as, fazendo-as reviver por entre o nada do fogo.

José, seguia a cerimónia com ansiedade. Crescia-lhe a água na boca a pensar no esperado pitéu. Finalmente o avô anunciou:

- Estão prontos. Vamos a eles!

Vá-se lá saber porquê, José não voltou a pescar. Do gosto do peixe já não se lembra, mas na sua memória aquele dia continua tão nítido e tão presente como se estivesse sempre a acontecer.

 MG

Só nós dois é que sabemos

quanto nos queremos mal

só nós dois é que sabemos

e mais algum maralhal.

Só nós dois partilhamos

este ódio louco e imundo

e por isso o divulgamos

por outras bocas do mundo.

 

Anda insulta-me...bate-me

encosta o teu ego ao meu

põe a sujeira na rua

com o meu lixo e o teu.

Que falem é o que interessa

se nos pasquins pouco importa

o nosso mundo é a peça

com actos fora da porta.

 

Só nós dois é que sabemos

a razão das nossas zangas

só nós dois é que queremos

meter na vida uns capangas.

Vamos viver a novela

com todo o seu dramatismo

tu no papel de bela

eu um vilão com cinismo.

 

Anda, acusa-me de violência

mostra as nódoas nos jornais

que eu ponho em pratos limpos

os teus loucos bacanais.

Que saibam que é que isso interessa?

que falem é mesquinhez

a nossa vida tropeça

é na nossa insensatez

 

MG

 

 

 

 

 

 

 

Incultos, portanto pobres

Os resultados do Eurobarómetro sobre participação em actividades culturais são eloquentes: só 6% dos lusitanos revelam um «alto» ou «muito alto» interesse pela cultura. O entusiasmo grego é ainda menor: 5%. Até a Roménia e a Hungria ultrapassam Portugal neste capítulo: 7%. Os líderes dos consumos culturais são a Suécia (onde 43 % da população manifesta um envolvimento elevado), a Dinamarca (36%) e a Holanda (34%).

(...)

Não é por ser rico que o Norte da Europa se tornou culto; antes foi por apostar na educação para todos e na democratização da cultura que se tornou rico.

A cultura não é a flor na lapela – mas sim aquilo que funda a nossa visão do mundo e a nossa capacidade para o transformar.

Quando é que Portugal aprenderá isso?

 

Inês Pedrosa (sol sapo.pt)

 

 

Faz todo o sentido. Sábias palavras. Já aqui o escrevi muitas vezes. O progresso e o desenvolvimento da humanidade está indissociavelmente ligado à evolução cultural. O aumento dos níveis de bem estar são anteriores ao aparecimento dos especialistas em economia e das suas falíveis teorias. Porque estes, grosso modo, vêem a árvore e ignoram a floresta. Os economistas reduzem a actividade humana a um deve e haver. Ignoram ou desconhecem a contribuição da cultura para as grandes mudanças civilizacionais. Infelizmente estamos numa fase de predomínio do pensamento meramente económico. O resultado está à vista.

 

A classe política activa que por cá temos é o espelho da incultura institucionalizada. A oposição, especialmente a mais radical, cristalizou no discurso ultrapassado do fim do século dezanove. Reduzem a luta política à velha luta entre proletariado e burguesia, entre os exploradores capitalistas e os eternos explorados. Apresentam soluções desfasadas do contexto em que vivemos. Não compreendem ou não querem compreender por tacticismo a complexidade das sociedades actuais. A sua ideologia e a sua acção carecem de dimensão cultural.

 

Está comprovado que riqueza e cultura caminham juntas. Separá-las é como abrir a porta a uma pobreza recorrente. O problema começa aí. Não há saída para esta nem para nenhuma crise económica fora do contexto global da dimensão humana. Uma sociedade dirigida por "analfabetos" culturais não se pode cultivar. Sem a democratização real da educação e da cultura é difícil sair da pobreza. "Quando é que Portugal aprenderá isso?" Quando é que as elites esclarecidas, democráticas e progressistas chegam ao poder?

 

MG

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