Os salões de cabeleireiro deviam ter isenção de IVA. Digo-o com total convicção. É que para além de nos retocarem a aparência exterior, desempenham um importante papel social. Qualquer destes serviços devia merecer relevância de serviço público. E se a aparência é o nosso cartão de apresentação, já a promoção do convívio é um factor de identidade e coesão social. Tendo essa consciência assumo a minha ida ao cabeleireiro como um acto de participação cívica, que faz reviver a ilusão de eterna juventude envergonhada e escondida, nos labirintos da memória.
Aquele mundo povoado de jovens bem cuidadas, funciona como uma antecâmara do paraíso, isto é como o imagino. Há lá coisa melhor do que sentir as mãos delicadas de fada-madrinha da jovem cabeleireira ,passeando livremente por entre as farripas de cabelos cansados pelos desgostos da vida e distribuindo champô com uma delicadeza angelical. São momentos breves, extasiantes, que nos libertam do desgaste do tempo, mas que como as coisas boas da vida, acaba depressa.
Os dedos maravilhosos da menina, movimentam a tesoura com mestria até ser atingida por uma dor lombar, que suporta estoicamente. Sem dar tréguas à sua tarefa, diz à colega que fazia extensões no cabelo duma dama com sotaque brasileiro: ",tenho de pedir os extensores ao teu marido". A outra, continuou serenamente a esticar o cabelo da cliente, limitando-se a fazer um sorriso amarelo. Aí, pensei, que se não fosse a maldita timidez que me acompanha desde o berço e que só me há-de abandonar na tumba, teria puxado de palavras ofendidas e teria dito: "deixe lá os extensores do marido da Bruna (nome fictício) em paz. Deve haver por aí tanto extensor desocupado". Até eu, não me importava de lhe retribuir o serviço com umas extensões gratuitas. Pensei, mas continuei calado como rato, tudo por causa da maldita timidez.
A senhora de sotaque brasileiro que sofria o impacto das extensões, agora mais enérgicas, da cabeleireira com sorriso de Mona Lisa, loquaz e sem mostrar pingo de timidez deve ter-me lido o pensamento porque disparou sem poupar munição: ó Sofia Vanessa (nome fictício) porque não pede os extensores ao seu namorado?" ó dona Jeruça (nome fictício) pedia se o tivesse, enquanto soltou mais um ai . Puxa Vida, como não tem namorado?! Está tudo cego!?
Uma cliente sentada na cadeira de espera, folheava absorta uma revista de salão de cabeleireiro, entrou na conversa, com um conselho para a Sofia Vanessa: "ó minha amiga, porque não fazes umas férias? Estou a ver aqui oferta de casas económicas no Algarve. De férias como, dona Francisca Assunção? Há nove anos que não sou aumentada, nem sei que cor tem o subsídio de férias?
A estilista olhou-me pelo espelho e debitou uma frase feita para todos os clientes: "está bem assim?". "Está", foi a única palavra que consegui articular? Nas estradas neuronais circulavam caóticos pensamentos que corriam para destinos paradisíacos na companhia da mocinha a precisar de extensores. Corriam se não fossem paralisados pela mudez verbal. Maldita timidez. Garanto que bem me esforço, mas não consigo entrar na roda das conversas de cabeleireiro.
MG