Lugar de velhos
A pastelaria onde tomo o meu café é uma espécie de retiro de idosos. Ali se planta gente bem acima da ternura dos quarenta. Distribuem-se por mesas previamente reunidas. Esta organização do espaço, fomenta uma aproximação, que acaba por se traduzir numa cumplicidade/intimidade. Assim, aleatoriamente, vou percorrendo os lugares disponíveis em cada dia. Chego, sento-me e pego num jornal disponível. Antes de ver o mundo real, concentro-me no mundo em papel. Esse mundo, versão Correio da Manhã, resume-se a traições, crimes passionais, acidentes, roubos, assaltos, misturados com alguns comentários políticos e a vida dos famosos, que se pode complementar com a leitura das revistas cor de rosa. É o cocktail perfeito para o sucesso jornalístico. Mas não passa disso, pois se o mundo fosse assim era apenas um vale de lágrimas. O dia a dia do cidadão comum é o afã pela sobrevivência. Esperança e desilusão, alegria e tristeza, vitórias e derrotas, pequenos nadas, como um café em amena cavaqueira.
A empregada, na ingenuidade dos seus dezanove anos, conhece de cor os gostos dos clientes. Por isso nem preciso de gastar latim. Mal acabo de me sentar já me está a colocar à frente um fumegante café. Umas vezes fico na mesa dos casais eternos, condenados a aturar-se até que a morte os separe, outras na mesa nos leitores de jornais desportivos, outras ainda na mesa do senhor tão discreto quanto eu a ler um livro que transporta religiosamente num saquinho. O que menos me agrada é ficar na mesa das eternas solteiras encalhadas. Não tanto pelo seu estatuto que desconheço se voluntário ou involuntário, mas mais pela "gralhice" que me desconcentra dos dramas do mundo em papel. Falam de coisas comezinhas como o tempo, insónias, achaques, problemas profissionais, oportunidades perdidas.
O que este microcosmo mostra, é que este é, cada vez mais, um país de velhos, sem ser um país para velhos, sem hipótese de fugir da mira das troikas. Entretanto, os jovens e os menos jovens veem-se constrangidos a emigrar. Na mesa dos bebedores de "minis" um sujeito diz: se fosse novo emigrava, deixava de vez este país da treta. Tarde piaste, disse um outro, depois de mais um gole de cerveja. -Cláudia, mais uma "mini". A jovem empregada, montada num sorriso, pousou a garrafa na mesa, entre piropos à moda antiga. Porque ri? Se calhar está feliz, por não ter de emigrar, pelo menos enquanto houver velhos.
MG