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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

 Aqui neste exílio dourado, neste ostracismo assumido tenho procurado esquecer-te, apesar da ratoeira que me armaste. Mas para a minha imagem,  estiveste divinal. Caíste na esparrela que um dia me armaste. Puseste a nua tua verdadeira face, aquela faceta mesquinha da alma nacional, que vive recalcada no mais fundo de nós. 

Com a manha do caçador furtivo esperaste pacientemente pela tua presa. Eu sei que foram anos meses e dias de sofrimento. Longas noites de insónia. Depressões recalcadas à espera da reeleição. Vencestes. Conseguiste exilar-me para abrires a porta à tua gente. Apesar dos caminhos ínvios, podias ter gozado essa vitória com a grandeza das almas nobres. Mas não. Mostraste a tua natureza de ressabiado. Continuastes com a vingançazinha expressa na comemoração da vitória e na tomada de posse. Pensava que ficarias por aí. Mas não. Continuas na mesma senda. Nunca pensei que chegassses tão longe. Superaste-te. Falta de lealdade institucional? Como diria um antigo primeiro-ministro, falta de lealdade a tua tia. Melhor, falta de lealdade de quem? Prevejo que te vais arrastar penosamente até ao fim do mandato e não havia necessidade. Porreiro pá.

 

Exilado do Quartier Latin

 

 

10 Mar, 2012

Mais um dia

 

09
Março

Hoje dei uma volta por alguns blogues e não vi nenhuma referência ao dia internacional da mulher. Será que está a formar-se a convicção que o dia da mulher, assim como o do homem, é desde que nasce até que morre! Aleluia!

 

MG

 

 

Aleluia

 

Era a mulher — a mulher nua e bela,
Sem a impostura inútil do vestido
Era a mulher, cantando ao meu ouvido,
Como se a luz se resumisse nela...
Mulher de seios duros e pequenos
Com uma flor a abrir em cada peito.
Era a mulher com bíblicos acenos
E cada qual para os meus dedos feito.
Era o seu corpo — a sua carne toda.
Era o seu porte, o seu olhar, seus braços:
Luar de noite e manancial de boda,
Boca vermelha de sorrisos lassos.
Era a mulher — a fonte permitida
Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo...
Era a mulher e o seu amor fecundo
Dando a nós, homens, o direito à vida!

Pedro Homem de Mello, in "Miserere"
  no Citador

09 Mar, 2012

rap Xandão

 

Tanta gente a dizer os leões estão tramados

Mais valia até terem sido eliminados

Agora vão levar uma cabazada

Da rica, forte e inglesa rapaziada

Estes leões são mesmo fraquinhos

E vão fazer papel de coitadinhos

 

É quinta-feira

Sofri a semana inteira

Mas no fim vi um golão

E outro ficou por marcar

Bom bom bom

Xandão xandão

 

Não estou habituado a tanta competência

Mas tenho tido muita Paciência

E mesmo sem ter na algibeira um tostão

Consegui meter no bolso o bretão

Nem consigo dizer aquilo que sinto

Mas estou mais inchado que um inchado Pinto

 

É quinta-feira

Passei a semana inteira

A ouvir provocação

Mas a resposta foi certeira

Golão golão

Xandão xandão

 

A camisola tive de suar

Mas valeu pelo calcanhar

Que os invejosos não me levem a mal

Mas melhoramos a posição de Portugal

E com mais esforço dedicação e glória

Podemos até vir a fazer história

 

É quinta-feira

Ouvi a semana inteira

Que era um tostão contra um milhão

mas o que fica da poeira?

golão golão golão

xandão xandão xandão

 

e porque hoje é sexta-feira

sem um tostão na algibeira

vou mas é pra brincadeira...

 

Quando as economias se subordinam à política e cumprem o seu papel fundamental que é garantirem o bem estar da humanidade, não ouvimos falar de economistas. O diabo é quando a economia pende tendencial e descaradamente para o lado da especulação e da exploração da maioria produtora pela minoria detentora do capital. Aí os economistas, grosso modo, pululam como cogumelos em todos os fóruns de opinião. Puxam pelos seus galões de iluminados, para com com mais ou menos variantes, mais ou menos retórica, assumirem o discurso do desgraçadinho, isto é, as vítimas da crises são os ditos mercados, pasme-se, vítimas do incumprimento daqueles que exploraram e estão a explorar. Como se o mundo, desde a sua infância, fosse apenas um livro de contabilidade. Como se na evolução da humanidade não houvesse outra importantes componentes como a cultura e a política. Mostram que não sabem que a humanidade tem uma história. Francamente, já não tenho pachorra para os economistas, nem para as suas teorias,nem para  as suas previsões falhadas. Sinceramente, acho que não fazem grande falta. Concretamente, acho que complicam em vez de ajudar. Quando muito, ajudam alguns interesses e para isso podem bem ser dispensados. Possivelmente, não viria mal ao mundo e à nossa saúde mental, se se acabasse de vez com os economistas.

 

MG

Manhã

Aquele sábado amanheceu escuro e chuvoso. Parecia que o céu, com nuvens prenhes como odres, se ia abater sobre a terra seca e faminta de água. Depois de engolir as sopas de café, deixei a casa dos meus avós onde residia por opção e privilégio, para ir ter com o primo Ricardo. Mas a meio do caminho, a nuvem negra desfez-se em água. Nunca tinha visto ou imaginado coisa assim. Até pensei que fosse o princípio do apocalipse, de que a jovem Célia falava, nas sessões de catequese, entre a missa dominical e o namorico com o João Sapateiro. Mas o esgarrão foi tão depressa quanto veio. Escampou, e um sol brilhante, iluminou as paredes caiadas da aldeia. Tive a estranha sensação que esse iria ser um dia diferente, digno de figurar nos registos da memória. Enquanto brincava com o Ricardo, ouviu-se o ronco dum altifalante, que silenciou o som de um riacho acidental. ”De quem eu gosto, nem às paredes confesso…”: Tinha chegado à aldeia o cinema ambulante! Era uma alegria rara. Deitei fora os bocados de lama que segurava nas mãos, esqueci o quotidiano salazarento, as reguadas diárias na escola, o dique em construção. Sabia que nessa noite iria assistir, na praça central, a uma sessão de imagens animadas com os meus avós, indefectíveis cinéfilos.

Tarde

A tarde passava lenta e aborrecida. As horas arrastavam-se no relógio da torre sineira. Na minha ansiedade, a noite tornara-se preguiçosa e demorava a cobrir de escuridão as ruas. Só o altifalante alimentava a minha esperança e distraía o meu espírito com as modas de singela felicidade decretada pelo regime. De quando em vez anunciava a aventura a projectar. “Venham ver as aventuras do Robim dos Bosques” Ao cair da noite, regressei a casa dos avós para um jantar alargado a toda a família. Comemos arroz com massa condimentado com toucinho de porco preto a que o dedo mágico da avó dava um gostinho incomparável. Depois de regalado o estômago o avô disse: -Está na hora de irmos ao cinema. Já pus as cadeiras no melhor lugar da praça. A avó, a mãe, a tia e as primas vestiram as roupas domingueiras, pois quando o cinema descia à aldeia, era dia de festa

 Noite

 O pequeno gerador que dava luz ao projector fazia-se ouvir entre sussurros da assistência. Lobo Antunes, o projeccionista, remendava a fita que se partira durante a rebobinagem. Robim dos Bosques, o Herói, preparava-se para entrar em acção, com o seu bando de ladrões que só roubava aos ricos. Chegado ao local, o avô verificou que faltava uma cadeira. Descobriu-a longe, encostada a uma parede, debaixo de um altifalante. No seu lugar, outra cadeira igual, suportava o rabo mirrado do Carola, dono de cavalo de cobrição e ferrador da aldeia. O avô, que fervia em pouca água, avançou para o Carola, como besta picada por mosca. - Ó sua grande cavalgadura, porque tirou a minha cadeira desse lugar?! -Não vi cadeira nenhuma. Este lugar estava livre quando cheguei. - Acha-me com cara de parvo, é? A minha cadeira já aí estava, e embora tenha pernas, ainda não anda, retorquiu o avô. Tire daí essa cadeira ou racho-o ao meio! O Robim no seu camarim de celulóide preparava-se para cavalgar pela floresta.”. O Carola continuou colado ao assento, desafiador e confiante na sua razão. Mas por pouco tempo, pois o avô assentou-lhe a mão sapuda no focinho, colando-o ao chão. O Carola mais alto e felino levantou-se tão rápido quanto permite a lei da gravidade, agarrou o avô pelo colarinho da camisa. O João Pequeno, que afinal até é grande e que com o seu bando se prepara para assaltar um solar e levar as economias escondidas no colchão de penas, para matar a fome do povo, está ansioso para sair da pasmaceira da fita. O avô escapou das mãos calejadas do ferrador, e atirou-o contra os espectadores que, envolvidos no reboliço, rebolaram, nas suas cadeiras desengonçadas. Os soldados do xerife continuam serenos à espera que o projeccionista os autorize a atirar Robim para o fosso do castelo. Mariana que assiste à cena de camarote deixará fugir uma lágrima furtiva lubrificando a película. As primas olham espantadas e a sua mãe, mais angustiada que perua na véspera de natal está desolada. Uma prima, perdeu o casaco na confusão e chora baba e ranho, como é próprio da sua idade. A pancadaria pára, finalmente, na plateia e as pessoas procuram acomodar-se nos seus lugares. As lâmpadas fecham as suas íris incandescentes. Lobo Antunes põe a fita em movimento e dá vida às vidas presas. O Carola voltou a acomodar-se no seu lugar, mais amachucado que talega de azeite na prensa. O avô, espumando raiva, assiste à sessão de pé, evaporado numa nuvem de indiferença. As imagens de sombra e luz ganham vida na parede branca. Começam as cavalgadas, espadeiradas, emboscadas, suspiros, castigos, beijos…THE END. A ilusão chegou ao fim. Os espectadores abandonam o local, com as suas cadeiras, sem ilusões perdidas ou renascidas. Entre o burburinho da saída e o barulho do dínamo, o projeccionista rebobina o filme e murmura para o ajudante, fuinha de cigarro apagado ao canto da boca desdentada: -Estes serrenhos são mais selvagens que as personagens das minhas fitas… Usei a cadeira para pôr o altifalante, e olha a confusão que arranjaram! Não volto a esta terra de brigões. O magricela enrolava os últimos fios e estendia no chão duro da calçada a manta onde havia de passar a noite. Robim, confortável no sossego do celulóide,vai finalmente descansar como um irmão ao lado de Mariana. Amanhã é outro dia. FIM

Mateus Gonçalves

(Adaptado para Fábrica de histórias)

04 Mar, 2012

Parêntesis vazio

Há dias em que ficamos tolhidos por uma estranha apatia mental. Olhamos, vemos e ouvimos mas o mundo passa-nos o lado. Sentimos até uma agradável indiferença perante os analfabetos culturais que o governam. Aceitamos passivamente o papel de cifrão que nos atribuem cada vez mais. E ficamos orgulhosos se, nesse papel, damos lucro para aqueles que nos gerem a vida nas colunas de deve e haver. Aceitamos, bovinamente, as patranhas que nos metem na cabeça: é preciso trabalhar, trabalhar, trabalhar. Mas trabalhar porquê? Mas trabalhar para quê? Mas trabalhar para quem? Mas que mundo é este do início do século XXI? O que é feito da dignidade humana? O que é feito de milhares de anos de evolução humanista? Onde fica a igualdade? Para onde as foram as ideias do Iluminismo e da revolução francesa, porra!? Caminho meio zombie pelas ruas da cidade de Vila Franca de Xira. Percorro a rua Alves Redol, mestre do surrealismo, por entre gente que adivinho tão indiferente e distraída quanto eu. Até arrisco a dizer que a sua principal preocupação são os fait-divers que alimentam os títulos da comunicação social: a novela da licenciatura (ou não) do Sócrates, os processos mediáticos que se eternizam na justiça, as gafes do ministro A ou B, as horas infindas de tempo de antena do mundo da Bola etc. Pão e circo. Seguramente muito mais circo que pão. E a indignação contra a injustiça selvagem onde está, carago!? Há um pormenor (ou será pormaior?) que chama a minha atenção e desperta, levemente da letargia. Naquela rua (do Alves Redol), porta sim, porta sim , está uma loja chinesa. Vendem calçado, roupa, sapatos, bugigangas, fruta, hortaliça, eletrodomésticos. O que é feito do comércio genuinamente português? Terá emigrado, como bom aluno do piegas que pusemos a governar? (há pois foi). Naquela rua a nacionalidade portuguesa já só existe no museu do neorrealismo, mas quase como um túmulo dourado onde se guardam e veneram memórias, apenas memórias da identidade e da cultura portuguesa. E neste breve despertar pus-me a pensar o que pensaria Redol se regressasse à sua terra outrora com identidades e contrastes, com exploração, mas de luta contra inimigos com rosto. Não consigo encontrar resposta. Talvez ficasse, também tolhido por esta estranha apatia que grassa como uma epidemia neste mundo surreal, ou quem sabe, talvez o descrevesse com a lucidez das almas iluminadas. Possivelmente, sem se deixar arrastar para um Parêntesis ( nem por ser domingo) vazio. MG
01 Mar, 2012

Balada da poesia

Em homenagem a Augusto Gil e à sua poesia que me acompanha desde a infância.

 

Bate bate, simplesmente,

no mais íntimo de mim,

uma força que se sente

com  um bater inocente;

mas porque é que bate assim?

 

É talvez a melodia

que me chama com carinho

e que com grande alegria,

me desperta a fantasia

no chilreio de um passarinho.

 

Quem bate assim, certamente,

traz a esperança no olhar

e uma vontade premente

e de uma forma diferente

de pôr o mundo a sonhar.

 

Fui ver. Era a poesia…

que atrevida e gentil,

com bucolismo sorria,

com eterna empatia

nos versos do mestre Gil.

 

Quando começava o dia

ia comigo pra escola:

os pés na geada  fria,

mantinha a minha alegria

dentro da minha sacola.

                                               

Bate leve, levemente,

desperta a minha emoção

esqueço a chuva, esqueço a gente

e a poesia somente

aquece o meu coração.

 

E quando chega a tristeza

bate leve, muito leve.

Abro a porta na certeza

de  que ela fica presa

pela balada da neve

 

E sempre me acompanhou

no meu já longo caminho,

onde sempre me amparou

e nem sequer me deixou

ficar um dia sozinho.

 

Uma alegria infinita,

uma profunda emoção,

Entra em mim, em mim habita.

Há frio na natureza,

mas não no meu coração.

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