categoria; ficção
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Esta é a história real (tanto quanto o conceito subjectivo de realismo o permite)de um cachorro que foi colocado num quintal onde vive com galinhas. É a minha primeira abordagem da literatura infanto-juvenil. Fica a boa intenção.
Era uma vez eu. Sou um cachorro e chamo-me Só. A minha mãe é a Dórémi e os meus quatro irmãos são o Lá, o Fá, o Si e o Dó. Nasci numa varanda de um apartamento e o meu dono era músico, chamavam-lhe senhor Maestro. Na nossa vida de cães éramos felizes. Éramos, porque já não somos. Fui arrancado à família e abandonado num grande terreno, habitado por uns estranhos bichos com um grande bico, parecidas (mas assim para maior…) com o Totó. O Totó é um pássaro que vive em casa do senhor Maestro.
Nunca percebi porque vim aqui parar. Quando cá cheguei até pensei que fosse castigo, pois o senhor Maestro estava sempre a dizer ao filho: “sai da playstation, Mozart (é o nome do filho) e vai estudar. Um dia ainda te castigo e te mando para um colégio interno”.Aproximei-me dos passarões e numa de tipo porreiro, perguntei:
-É malta isto aqui é um colégio interno?
O meu medo era que me dessem nas orelhas, pois ainda ouvia o senhor Maestro dizer ao filho: -“olha que lá no colégio se não estudares levas nas orelhas…”
-Carácarácácá - responderam-me
- Não vos percebo… mas que raio de língua falam? Será inglês? O meu dono dizia muitas vezes ao filho “vai estudar inglês, pois inglês é o futuro”
-Carácarácarácácá
Então aproximou-se de mim um deles, e disse:
-Oi cachorro como te chamas?
-Chamo-me Só - respondi um pouco atarantado. Tu falas português?
- Yá!
-E as outros, o que falam?
-Os outros são galinhas por isso falam galinhês e pró que fazem, que é pôr ovos, chega.
- E tu não pões ovos?
-Eu sou o gajo que toma conta do galinheiro e faço poemas bué. Sou galo e poeta. Estou mesmo a ver que ainda conheces pouco da vida!
-Bem vejo que tens muita gramática. Lembrei-me que o senhor Maestro volta e meia dizia ao Mozart: “vai estudar gramática para aprenderes a falar e seres alguém na vida”
- Pois sei e vou mostrar-te. Ouve esta:
Não sou esperto nem burro
Nem bem nem mal educado
Sou apenas o produto
Do meio onde fui criado
- Vendo bem não é minha. É dum tipo chamado Aleixo, mas a que vou recitar foi feita pelo je, quer dizer eu.
Posso parecer o que sou
Mas não sou o que pareço
Sou rei na capoeira
E poeta me confesso.
-Que tal ó projecto de cão?
- Eu não tenho muita gramática, nem nunca fui à escola – respondi, arrasado por tanta sabedoria. Adiante..
- E tu como te chamas? disse para mudar de assunto.
-Eu sou o galo Pinoka. E elas são a Catita, a Gaga, a Sissi, a Totó e a Marlene, que é a minha preferida. E não é para me gabar mas estão todas caidinhas por mim.
-Hum..
- Deixa p’ra lá, isso agora não interessa nada - disse o galo poeta. O que interessa é que temos de ser companheiros e trabalhar em equipa. Elas põem ovos, eu componho, canto e tu tens de guardar o quintal, pois há por aí muitos pilha-galinhas. Percebeste?
-Mais ou menos, respondi
-Okei …e olha não podemos desiludir o nosso patrão. E tu que és novo por cá vais ter de mostrar o teu valor. Nem uma galinha, nem um ovo podem ser roubados!
Que raio de sorte a minha, pensei. Deixei a rica vidinha na casa do senhor Maestro e agora aqui estou a experimentar a dureza da vida tal como ele dizia ao filho:“ollha que a vida não é como os jogos de computador…tens de te preparar para o mundo cão”. E eu que o diga, que até sou cão …tenho de estar alerta senão estou lixado.
Os primeiros tempos não foram fáceis, especialmente na hora da paparoca, pois as galinhas roubavam-me a comida ou atacavam-me com grandes bicadas. Principalmente a Marlene, aquela descarada! Um dia marquei uma reunião, como vi fazer ao senhor Maestro. Quando estavam todos tomei a palavra:
-Meus amigos e companheiros. Estamos ou não estamos todos no mesmo barco? (nunca percebi bem esta frase, mas se o Maestro a dizia...). Então porque é que as galinhas me bicam e roubam a minha comida? Há ou não há companheirismo? Onde é que está a equipa, ó Pinoka? Olha que eu assim não danço…
-Bom, disse o galo, estás certo, fica descansado; vou-me entender com as meninas.
A partir daí as coisas começaram a melhorar e algum tempo depois tive a minha prova de fogo. Uma noite estavam as minhas companheiras já no seu sono profundo, quando ouvi um barulho estranho. Era parecido com aqueles barulhos saídos dos jogos do Mozart, que lhe arrancavam aquelas expressões que o Maestro detestava “ filho da….”( cala-te boca que esses palavrões não se dizem, especialmente numa história para crianças). Aproximei-me e vi então um bicho comprido a rastejar em direcção à capoeira.
-Quem és tu’?
-fuuuuuuuu
-Deves ser o pilha galinhas, não tens patas, não falas, só sopras. Não tens mesmo gramática nenhuma. És mesmo abaixo de cão, como dizia o meu patrão ao filho quando saiam as notas da escola.
-Queres comer vai trabalhar e deixa as minhas companheiras em paz. Não sejas parasita. Raspa-te daqui senão ferro-te o dente. Queres ver?
Ãoãoãoão
Já te vais embora? É assim mesmo moleque. Respeitinho é bom e eu gosto (esta aprendi com a mulher do senhor Maestro, quando mandava o filho baixar o som do batuque)
No dia seguinte, quando o patrão veio recolher os ovos ouviu-o dizer: “é pá está aqui rasto de cobra, e não falta nenhuma galinha. Foste tu, Só, que a espantaste. Bom menino, é assim mesmo. Bem me disse o Maestro que tu eras Bué. Hoje vais ter uma recompensa.
E assim fui admitido como guardador de quintal e garanti o meu futuro do lado do bem. Pois como o senhor Maestro sempre lembrava ao filho : “por este andar ainda vais acabar mal, ainda te vais tornar num pilha-galinhas”. Jamais!!!
Enfim, Vitória, Vitória… acabou-se a história!