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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

 

 flickr.com

 

António Simplesmente

 

Quando António viu pela primeira vez a escuridão da noite, uma tempestade diluviana quase destruiu a laboriosa aldeia de Oliveira do Dão. O seu nascimento, tão desejado, foi para aquela família humilde  como a luz redentora de uma casa sem herdeiro varão. Alegria e perplexidade invadiram como um turbilhão devastador a mente dos pais e irmãs de António. O seu pé defeituoso, foi visto, à luz da religiosidade popular, como uma maldição e um castigo divino. O pai, Zé d`Avó, arrasado com a fúria do dilúvio, ficou de rastos com aquela machadada do destino e não conseguia pregar olho. As irmãs, rezaram novenas até altas horas, para acalmar os maus espíritos. Apenas Maria, a mãe cansada pela canseira da parição, manteve a serenidade e procurou animar as hostes pensando"amanhã penso nisso" .E depois de alimentar o filho, dormiu a sono solto.

 

Entretanto, na mansão do morgado de terras do Dão, João Gonçalves Zarco, todas as criadas de fora e de dentro, foram reunidas na capela, para rogar pelo bom regresso do patriarca que fora a cavalo visitar uma herdade distante. Já a noite ia alta e do fidalgote nem sinal. Dona Efigénia Zarco, acolhida à cama por imperativos de gravidez, mandou um criado chamar o feitor Zé d`Avó com urgência, para pedir conselho sobre a demora do marido. O braço direito do morgado, apesar da angústia familiar que estava a enfrentar, não se fez rogado e deslocou-se de imediato à casa do patrão onde se inteirou da situação. Procurou acalmar dona Efigénia e prontificou-se de imediato a agir. Constituíu um grupo de serviçais para começar as buscas, apesar de não se enxergar um palmo à frente do nariz. 

 

João Gonçalves Zarco aproximava-se com seu cavalo Alão, o mais seguro, fiel e inteligente da sua manada, quando foi atingido pela borrasca que se fez sentir em todo o vale do Dão. Apressou o Alão como que a tentar antecipar-se à fúria dos elementos e à cheia eminente do rio, mas um golpe de água repentino atirou-os ao chão. João e Alão, sentiram-se arrastados por uma corrente de água e lama, que descia apressada da encosta. O seu corpo, chagado e dorido, rebolou desamparado até ser travado por uma sebe de canas, que ladeava as margens do rio. A força da torrente, indiferente aos seus apelos de ajuda, submergi-o e quase o abafava, mas o morgado não era homem de desistir e recorrendo a todas as forças presentes, passadas e futuras que possuía, agarrou-se ao canavial que o protegia e com uma fúria mais ciclópica que a do vendaval, conseguiu pôr-se de pé. De quando em vez, a escuridão era alumiada por grandes clarões de luz, seguidos de estrondos que silenciavam a voz das águas revoltas. Um homem da sua estirpe, com antepassados que tinham enfrentado a dureza das ondas oceânicas e vencido todos os Adamastores, não podia deixar-se vencer por um regato de água ocasional. Era um homem na flor da idade, alto como um choupo e duro como o aço das suas alfaias. A esposa, D. Efigénia, ainda não lhe dera o primeiro descendente e portanto o futuro da sua família não estava garantida. Três vezes se levantou e três vezes a irreverência da ribeira improvisada o deitou ao chão. Ao fim do que lhe pareceu uma eternidade o caudal desenfreado diminuiu de volume. Foi quando sentiu as pernas fraquejar, a cabeça rodopiar, o corpo amolecer e ao mesmo tempo ser invadido por uma sensação de não estar.

 

Zé d´Avó chegou com os seus homens às margens do rio já os pássaros sobreviventes anunciavam o nascer do dia com tristes trinados matinais. O espectáculo dantesco que observaram fê-los pensar no pior. O rio engordara para além do leito e apanhara coisas e animais desprevenidos que navegavam como náufragos sem sentido. O moinho das Quebradas, local onde se passava a vau de uma para outra margem estava em parte submerso. Uma coluna de fumo espesso saía da chaminé da casa do moleiro. Zé bateu na grossa porta aferrolhoada. O moleiro abriu a porta:

-Entrem já estava à vossa espera, disse aliviado.

Num canto da sala de pedra solta e negra de fuligem, ardia uma generosa fogueira junto da qual estava um vulto embrulhado num grosso cobertor. Aproximaram-se e os seus corações exultaram de alegria. Era o senhor de Oliveira do Dão.

-Quando o temporal amainou saí para ver os estragos, que foram muitos, pelo menos um rodete e duas mós foram levados, disse um homem atarracado e com uns olhos  pequeninos e piscos. Foi então que vi preso no açude o Alão, o cavalo preferido do senhor Joãozinho. Não o fazia por aqui, mas fiquei preocupado e peguei no pitromax e caminhei pela margem. Em boa hora o fiz, porque uns metros adiante, na curva, vi o morgado preso no canavial. Estava enregelado...vim buscar um cobertor e uma bebida quente e consegui despertá-lo e trazê-lo para dentro do moinho. É um homem forte como um boi, senão...

 

O disco solar despontava no horizonte quando João Zarco entrou na sua casa, de pé, mas muito combalido. D. Efigénia passou a noite numa dupla aflição, entre a ausência do marido e as dores de parto que não paravam de aumentar. Era uma mulher de aspecto frágil mas muito corajosa. Suportou estoicamente aquela longa noite, mas ao raiar do dia as dores não abrandavam e mandou um criado chamar o doutor João Oliveira, que apesar de carregado de anos a dar saúde às gentes da terra, não demorou a estar ao seu lado. O primeiro som que o proprietário João ouviu ao entrar na sala de fora, foi um choro de criança. Refeito da surpresa, sentiu-se invadido pela mesma sensação que horas antes o atingiu no canavial, ao mesmo tempo que indo buscar ainda forças, onde já não as havia, se arrastou para o quarto conjugal, enquanto balbuciava: obrigado Senhor, tenho um herdeiro. Nos braços de D. Efigénia, feliz no grande sorriso, estava uma bonita menina, a Maria Eugénia.

Será Maria Eugénia, anjo ou demónio na vida de António Simplesmente?

 

 

11 Jul, 2011

Música

Notas iniciais de Rhapsody in Blue.

 

 Quem não conhece esta cena do filme Um americano em Paris? Ganhou com toda a justiça direito a figurar nos anais do cinema. E representa uma época áurea da chamada sétima arte, quando esta arte da evasão e do entretenimento era um espectáculo colectivo com capacidade de reunir pessoas num mesmo espaço para dar corpo ao sonho e à fantasia.

 

Foi protagonista desta fita Gene Kelly conhecido pelos seus dotes de representação. Mas nem todos devem conhecer o compositor desta música e de muitas outras composições quer na área do musical, quer o campo da música clássica. Trata-se de George Gershwin, nascido Jacob Gershowitz, (Brooklyn, Nova Iorque, 26 de setembro de 1898Hollywood, Califórnia, 11 de julho de 1937), simplesmente.

 

Gene Kelly- I'm singing in the rain

guerreiropacifico.wordpress.com

 

Acredito em mundos paralelos. No mínimo conheço dois(mas deve haver mais) e comprovo-o. Há aquele mundo onde vivem figuras de sombra e luz que nos entram em casa por uma janela virtual, sem serem convidadas e nos falam da vida como acham que ela é. Trata-se de Presidentes, ministros, administradores públicos e privados entre outros famosos e de todo o lupem que borboleteia, no bom sentido à sua volta: comentadores, politólogos, analistas, jornalistas, blogueres com estatuto especial na plataforma blogosférica. E há o outro mundo, real mas anónimo, que vive incógnito nas cavernas da produção e que alimenta os primeiros. Aos fins de semana, saem da obscuridade e expõem-se à luz dos néons dos grandes centros comerciais, como laboriosas formigas do consumismo, ou à luz natural dos grandes areais, enchendo o coiro de raios ultravioletas. Quem os vê e observa com olhos de ver, sente-os a leste de troikas, ratings, dívidas públicas. E o único murro no estômago que sentem é uma cerveja bem gelada, um frango à coronel ou um grelhado das pampas. Abençoados. Deles será o reino dos céus. 

 

MG

09 Jul, 2011

...

 

Uma das das mais impressionantes qualidades humanas é a contradição. Sem ela a vida seria uma sensaboria. É uma bênção termos um Presidente da República que ,no âmbito das suas funções, consegue dizer uma coisa e o seu contrário sem se contradizer. Este cidadão e Presidente pode nunca ser lembrado pela sua acção política, mas ficará na história pelo precioso contributo que deu para a discussão filosófica. E nem foi preciso estudar filosofia em Paris.

 

MG

 

 

 

07 Jul, 2011

Lavoura

Fonte: O Jornal 
Advogado processa Estado por desertificação do interior 

 

"Abandono dos campos e pouca dinamização da agricultura levam cidadão a interpor uma ação popular.
Sempre que regressa à Beira Baixa, vê campos abandonados, uma agricultura inanimada e gerações inteiras a enfrentar o desemprego. Perante a desistência de uns e a apatia de outros, decidiu que já não basta criticar, é preciso agir. António Martins Moreira, advogado em Torres Vedras, vai processar o Estado Português pela desertificação do interior."
 
 
Idanha-a-Nova já teve uma agricultura dinâmica que ocupava milhares de pessoas. Hoje, em resultado da política agrícola, das últimas décadas, o sector agrícola desta região está completamente destruído. Mas a destruição da lavoura, termo caro ao CDS, que começou de forma sistemática nos anos oitenta com a adesão à CEE, tem responsáveis políticos, tem rostos, tem nomes. E um deles  que se arvora, agora, em paladino do regresso aos campos, foi primeiro-ministro durante doze anos, nas década de oitenta e noventa. Chama-se Aníbal Cavaco Silva e foi premiado com a Presidência da República!
 
MG

retrovamoslembrar.blogspot.com

 

Como escrevi aqui, ainda no tempo da outra senhora, as agências de rating não passam de buldolgues de obscuros interesses financeiros. E o mais curioso é que vi muita gente defendê-las como cândidas avaliadores da saúde de empresas e países. Ao fim e ao cabo, os maus da fita eram os preguiçosos do Sul que parasitavam, sem vergonha,  os burros de carga do Norte. Esses tais, agora representados no poder, começam a beber este veneno e o seu próprio, quando defendiam estes especuladores internacionais e acusavam o governo socialista de todos os males nacionais.

 

Uma das teses que explica a sanha destas agências, todas Norte Americanas, contra os países mais fracos da zona euro é que não passam de bonecos manipulados dos interesses capitalistas ligados ao dólar e com o objectivo de destruir a zona euro. A ser assim, o mais estranho é que a titubiante super estrutura política da UE não consiga entender este ataque e unir-se na defesa conjunta do projecto europeu. Neste sentido só há um caminho: organizar-se em torno dos seus valores e com os seus meios colocar este teatro de fantoches onde deve estar, isto é no caixote do lixo, porque esse é o lugar do verdadeiro LIXO.

 

MG

 

 

Fascículo II, António Simplesmente

 

A vida é feita de sonhos. Dos que acontecem realmente enquanto navegamos nas asas de Morfeu e dos nos aprisionam durante a nossa existência. Eu, António homem nascido de mulher sem qualquer graça divina , racional e contemplativo mergulhei num mar de sonhos desde a mais tenra idade. Estou até em crer que já neles navegava na barriga da mãe.

Desde que me conheço, se é que me conheço e desde que me vejo feito de memórias que me  vejo embrulhado nas ilusões que dão sentido à vida. Aqui no meu quarto de asceta acidental, no seminário que me destinaram, no verdadeiro sentido do conceito, tenho meditado muito sobre de que sonho devo fazer o meu Graal. Acabei de receber ordens menores e nenhuma alegria, mesmo breve as acompanha. Recorro todos os dias à dúvida cartesiana e de tanto recorrer já ponho em dúvida a própria dúvida. Sinto-me preso dentro de uma teia que não ajudei a construir e por isso não sei como a posso destruir.

O sonho que recorrentemente marca os meus dias nestes dezanove anos de existência é o sonho de ser escritor. Umas vezes vejo-me como um Flaubert, outras vou mais longe e gostava de ser Virgílio ou até um Camões do século XX e escrever uma nova epopeia da heroicidade portuguesa. Mas que heroicidade? Só sinto um país abúlico, sem a gente e o rasgo dos grandes navegadores de quinhentos. Apagada e vil tristeza é o que me rodeia. Que há para escrever sobre um rei moço, voluntarioso nas sem poder? Que se pode dizer da canalha republicana, anticlerical, maçónica e dominada por carbonários? Que gesta há no gesto cobarde dos que mataram o rei Carlos a sangue frio?

Começo a perceber que nunca serei um grande escritor. Falta-me matéria e falta-me a alma. Tenho de descer das nuvens, regressar a à simplicidade de objectivos de um aldeão em tirocínio para eclesiástico. Nasci humilde e assim espero continuar. No imediato, preciso de encontrar um  rumo, uma caravela que me leve até a um mundo de real subsistência.

Aleluia! Abriu-se -me uma porta transitória! Vou para o colégio de Viseu como prefeito. Se não posso ser escritor, talvez me descubra como homem de acção. Entretanto, vou escrevendo uns artigos para matar o vício no jornal das Beiras, onde exponho o meu pensamento, melhor um pouco meu com variadas influências, mas de certo muito mais de Maurras um mestre que sigo religiosamente.

A minha mãe recebeu-me como um presidente como sempre faz. Se tivesse meios, que não tem, estou certo que contrataria a fanfarra para abrilhantar a minha presença. É se calhar a única pessoa que acredita no meu valor. Dá-me força e incentiva-me todos os sonhos mesmo quando embrulhados no papel pardo da absurdidade. Mãe é sempre mãe. Mas estou numa fase de descrença. A desistência da literatura fez-me cair num vazio existencial. Nem a Almerinda, professora primária formada e que me namoriscou desde a infância me consola. Acho até que me inquieta e aumenta o meu desespero. Não sei ainda por onde quero ir, mas sei que por aí não será. Olho-me ao espelho e não admiro a imagem reflectida: esguia, encimada por um rosto seco, inexpressiva, merece-me pouca confiança.

Assumi funções no colégio onde sou prendado com uma fabulosa biblioteca. Livros, livros e mais livros. Este é o meu mundo e já que não sou escritor, vou-me doutorar como leitor. Esse prazer ninguém me o vai tirar , agora que sou marinheiro num mar de literatura. Mau grado não desisto de escrever. Fui buscar coragem e alguma insensatez não sei onde e comecei a escrever uma novela com o título provisório de António Simplesmente, uma história com muito de auto-biográfico. Já que não me sinto preparado para escrever uma obra de grande fôlego, ao menos abalançei-me na literatura de cordel. Quem sabe se a consigo publicar no semanário das Beiras?

03 Jul, 2011

Três troikas

correioregistado.com

 

Há quem diga que somos governados pela troiKa estrangeira. Antes assim fosse. É que não somos governados por uma , mas por três troikas: a já referida, a constituída por Passos, Portas, Cavaco e a composta por PCP, BE, CGTP*. E se uma Troika mete medo a muita gente, três troikas metem medo a muito mais.

 

MG

 

* começa-se a entender porque derrubaram o PEC 4.

03 Jul, 2011

PEC 5

 

Do blogue Câmara Corporativa:

Recusámos o PEC 4 para vos impor o PEC 5

• Miguel Sousa Tavares, DE ONTEM PARA HOJE [hoje no Expresso]:
      Comecemos pelos factos, antes das intenções: há três meses, toda a oposição, incluindo a direita,
chumbou o PEC 4 de José Sócrates com o argumento de que não havia crise internacional nem crise financeira do Estado português que justificassem mais um catálogo de sacrifícios
      : havia apenas má governação. E, portanto, a solução era simples e entrava pelos olhos dentro: apear o governo de Sócrates.


      De então para cá, os juros da dívida soberana portuguesa subiram 60% nos mercados; o governo demitiu-se, como tinha dito que faria se o PEC 4 não fosse aprovado; abriu-se uma crise política e fomos para eleições, entrando num período de letargia governativa na pior altura; em consequência e perante a reacção dos mercados, foi preciso recorrer ao auxilio externo e acatar o programa de medidas da
troika
      bem mais gravoso do que o PEC 4, mas aceite pelo governo e, quase entusiasticamente, pela oposição de direita que recusara o PEC 4; fomos depois a votos e mudámos de maioria e de governo; e,
apresentado o programa do novo Governo, constatamos que ele vai, orgulhosamente, ainda além e mais depressa do que o programa da troika e incomparavelmente mais além do que as medidas do PEC 4, cuja invocada violência justificou o derrube do anterior governo
      . Longe parece o tempo (há um ano) em que Pedro Passos Coelho pedia desculpas públicas por quebrar a sua promessa programática de não subir impostos, aceitando viabilizar o PEC 3. Hoje,
o seu programa de Governo é, antes de mais qualquer coisa, um ataque em massa aos contribuintes
      . Longe vai o tempo que
Paulo Portas garantia que as políticas de Sócrates só conduziriam à recessão: agora, é o novo ministro das Finanças a anunciar, tranquilamente, nove trimestres de recessão seguidos
        .
02 Jul, 2011

Sol e dó

 

O jornal Sol, de António José Saraiva, passou as últimas legislaturas a diabolizar Sócrates. Mas apesar do homem  ter saído de cena continua a persegui-lo. Já não estamos perante um caso de oposição política, mas perante um caso de obsessão persecutória que só a psicanálise saberá explicar.

 

O governo dá o dito por não dito e aumenta impostos; o governo anuncia o estabelecimento de um tecto de 2500 euros para as reformas e como gato escondido com o rabo de fora, pretende desviar dinheiro dos descontos para as Seguradoras e descapitalizar a Segurança Social; o governo propõe transformar o Estado Social em assistencialismo, espécie de caridade pública; e o que destaca o Sol?  Nem mais, nem menos, que uma eventual discussão entre Sócrates e Luís Amado no último Conselho de Ministros. Afinal este Sol parece que nos quer manter numa zona de penumbra.

 

MG