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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

06 Jan, 2011

Rua da Saudade

panoramio.com

 

 

MATRIARCAS ACIDENTAIS

 

No início dos anos setenta, Lisboa era uma cidade calma, serena, tranquila. Recebeu de braços abertos  provincianos em demanda do seu Graal e acarinhou-os como uma mãe . Fui essa a sensação que senti quando ali me refugiei na fuga a uma futuro de horizontes limitados num Portugal de paisagens paradas no tempo.

  

Nessa época, chegavam à capital migrantes de todos os cantos do país  para trabalhar na jovem indústria dos arrabaldes e no crescimento dos serviços da "primavera" marcelista. Para os acolher desenvolveu-se uma espécie de hotelaria paralela, as hospedarias familiares. Foi assim que me instalei na casa de dona Regina, também ela migrante do árido Alentejo. Divorciada, mãe de três filhos, uma casada com um pequeno industrial da periferia, um desertor da guerra colonial em  França  e o Tonico livre da guerra por defeito físico.

 

Ali, naquele andar do centro, como na cidade, estava representado um microcosmos do país. A Olinda de Trás-os-Montes, o Noro de Freixo-de Espada-à- Cinta, o Camacho das Caldas, o Coelho das beiras, Os manos Rato do Alentejo, e o Benjamim do Alviela. Éramos uma comunidade familiar por obra do destino. Viviamos emoções, partilhávamos desejos, descobriamos sonhos, "filosofávamos" nos cafés, palmilhávamos ruas, cinemas, bailes populares.

 

Entretanto,D. Regina a nossa matriarca, cozinhava as refeições, tratava da roupa, compunha as camas. Todos tínhamos uma mãe natural nos  sítios mais recôndito de um país distante com  quem nos mantínhamos ligados pela perdida tradição epistolar. Na casa de D. Regina tínhamos uma mãe acidental mas sempre presente. Tratava-nos como "os seus meninos" e procurava proteger-nos de malfeitorias, alertar-nos para perigos e até "interferir" com boa intenção, nos namoricos.

 

Nas encruzilhadas da vida desfez-se este agregado familiar acidental. As hospedarias dos anos setenta foram levadas no turbilhão da evolução social. As mamães hospedeiras esfumaram-se. A cidade cresceu, o antigo centro desertificou-se de vida plena , empurrou para os subúrbios o bulício humano. 

Perdi o contacto físico com D.Regina, mas continuou sempre presente na minha lembrança. Para todas as matriarcas acidentais e especialmente para mamãe Regina, onde quer que esteja, a minha profunda gratidão .

 

MG

  

 

Imagem NunoAnjosPereira,s

José Saramago é e será um grande escritor. Revolucionou a arte da escrita, criou um estilo, ganhou a imortalidade. Deixou uma vasta obra literária prenhe de imaginação, oportunidade e inovação. Acabou uma longa e difícil viagem que fez com a paciência de um elefante e partiu para outra mais longa e mais desconhecida

 

José Saramago foi um homem polémico. Iconoclasta e ateu (?) criou a sua visão pessoal do mundo e defendeu-a até ao absurdo. Com virtudes, defeitos, fragilidades, deixou no livro da vida uma marca indelével.

 

José Saramago foi um homem de convicções.  Político interventivo e determinado, manteve durante toda a sua existência física uma coerência louvável. Acreditou em valores, defendeu utopias, sonhou com amanhãs que cantam.

 

José Saramago amou o seu país com espírito crítico e projectou o nome de Portugal no mundo inteiro. A sua obra não se pode dissociar do homem que foi e daquilo em que acreditava. Por isso reflecte, apenas, uma entre muitas formas de ficcionar a realidade .No meu blog "D. Quixote moinho de letras",  pode-se ler um conto intitulado "Baldazar e Bela Muda", onde procurei prestar uma modesta e singela homenagem ao homem e ao escritor , com quem aprendi a melhorar a arte de bem escrever.