presépio tradicional
Já se sente o frenesim do Natal pagão. Nunca percebi o sentido desse frenesim. Há muito, muito tempo, era eu uma criança o outro Natal, o religioso, era muito diferente. Na longinqua aldeia perdida, fazia-se um presépio colectivo, punha-se o sapatinho na chaminé e esperava-se que o menino nos trouxesse alguma lembrança mesmo modesta, que os tempos mesmo para Jesus não eram fáceis. Quando era possível a avó Ofélia matava uma galinha velha já pouco reprodutiva e o tio Fernando assava uma chouriça suculenta a pingar gordura sobre as brasas. Nesse tempo, o Natal não tinha pai, nem sequer mãe. Hoje já tem pai mas continua continua órfão da dita. Mistério!
O Natal do consumismo alcandorou-se em dia de reunião da família alargada. Não consigo entender nem aceitar este Natal. Não entendo que a reunião da família tenha de ser uma obrigatoriedade para todos , em todos os dias 25 de Dezembro. Parece-me que colide com os princípio do livre arbítrio. É esquisito que a família de todos os dias precise de um dia.
Quando era um adolescente inconsciente vivia na capital do império ( ainda havia império), num quarto alugado, longe da estrutura familiar. A minha família eram aqueles que, por uma razão ou por outra, repartiam comigo o quotidiano. Mas no dia 25 de Dezembro, desapareciam como por magia. Ficava então quase sozinho na grande cidade: percorria as ruas praticamente desertas, passava pelos cafés de neons apagados, olhava a montra de restaurantes sem cheiro, solidarizava-me com a iluminação natalícia triste por falta de olhares. Era uma sensação estranha de domínio sobre uma cidade fantasma. Era uma sensação de vazio, de tédio de falta de calor humano.
Agora, já maduro e bem maduro, passo o Natal, noblesse oblige, com a família nuclear e é o único dia do ano em que continuo a sentir a minha liberdade coarctada. A civilização parece ter desaparecido. As ruas de qualquer lugar estão vazias de sentido, os carros(poucos)circulam envergonhados, o bulício próprio de um organismo vivo, esfuma-se. Tudo, dizem, vai cumprir esse ritual da Família de forma fechada, escondida, comendo bacalhau e couves, adorando uma árvore(?) coberta de pedaços de coisa nenhuma. Tudo de forma egoísta, estranhamente, em tempo de suposta solidariedade. Ai que nostalgia dos tempos míticos em que as pessoas estavam na rua a jogar à malha ou nas tabernas a jogar chinquilho ou a beber copos de três . E o menino acabado de nascer e cansado de visitar tantas chaminés, dormia a sono solto nas quentes palhas de um estábulo sempre aberto.
MG
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