Memórias de gente anónima - obviamente, professor
O Senhor Simplício foi professor. Tinha uma pequena escola numa aldeia da serra do sotavento algarvio. Nos exames nacionais no Liceu de Faro, os seus alunos tinham a fama e o proveito de serem os melhor preparados.
Foi seminarista, mas outros valores, desviaram-no da carreira, religiosa. Consta que durante a juventude, andava pelos bailes e feiras, cantando as suas desventuras amorosas acompanhado do seu bandolim, de que era exímio executante…
Por causa dela,
Mas só por causa dela,
Meu coração bateu tanto
Que partiu uma costela...
Nunca casou e quando o conheci já sexagenário, vivia na casa de uma recatada senhora, onde também usava uma sala para dar as aulas. Não percebi se era apenas hóspede ou algo mais, mas isso, também não interessa.
Um dia a meio da aula da manhã, mandou-nos sair para irmos ver, na estrada que atravessava a povoação, a caravana do General Humberto Delgado, em campanha contra o regime salazarista. Foi assim que pude ver a silhueta do general sem medo, que nos acenou detrás da janela de um carro que passou sem parar, rumo a sítios mais povoados. Dessa experiência guardo ainda viva memória.
O senhor Simplício ensinou-me a gostar de aprender, sem nunca cobrar um cêntimo à minha família, devido às nossas dificuldades. Morreu como nasceu, simples cidadão anónimo, mas deixou, de forma, discreta, uma marca bem vincada naquilo que é mais duradouro.. a formação de cidadania.