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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

23 Dez, 2012

Natal sem barreiras

Já se sente o frenesim do Natal do consumo. Nunca percebi o sentido desse frenesim. Há muito, muito tempo, era eu uma criança  o outro Natal, o religioso e pagão, era muito diferente. Numa longínqua  aldeia perdida, fazia-se um presépio colectivo, punha-se o sapatinho na chaminé e esperava-se que o menino nos trouxesse alguma lembrança, mesmo modesta, que os tempos mesmo para Jesus não eram fáceis. Quando era possível a avó matava uma galinha velha já pouco reprodutiva e um tio matava o "sovão" (porco gordo) com a ajuda da vizinhança e fazia um opíparo banquete. Nesse tempo, o Natal não tinha pai, nem sequer mãe. Hoje já tem pai mas continua continua órfão da dita. Mistério!

 

O Natal  do consumismo institucionalizou-se em dia de reunião da família alargada. Não compreedo que relação existe entre este Natal e a Natividade do Menino ou até a celebração do nascimento do Deus Sol que a antecedeu. Não compreendo porque razão a reunião da família tenha de ser uma obrigatoriedade, uma espécie de comportamento condicionado, em todos os dias 25 de Dezembro. Parece-me que colide com os princípio do  livre arbítrio pleno. Ou seja, quem não o fizer sente-se como apátrida familiar, quase um marginal. É esquisito que a família de todos os dias precise de um dia para mostrar que o é .

 

Quando era um adolescente vivia na capital do império (já sem império), num quarto alugado, longe da estrutura familiar base. A minha família eram aqueles que, por uma razão ou por outra, repartiam comigo o quotidiano. Mas no dia 25 de Dezembro, desapareciam como por magia. Quando optava por não me deslocar para a terra de origem, sentia que vivia num sítio estranho: percorria as ruas praticamente desertas, passava pelos cafés de neons apagados, olhava a montra de restaurantes sem cheiro, solidarizava-me com a iluminação natalícia triste por falta de olhares. Ouvia os passos dos sapatos no empedrado dos passeios, como um som emergindo de um silêncio de chumbo. Salvava-se aqui e além o gorjeio dos pássaros nas copas das árvores ,possivelmente também admirados com a falta do bulício citadino. Os autóctones aprisionavam-se nas suas mansões ou nos seus casebres. Até os indigentes sem lar, agora ditos sem abrigo, sumiam do espaço público, para à pala da caridade natalícia, comer uma refeição melhorada. Como se esse fosse o único dia em 365 vivido com dignidade. Era uma sensação estranha de domínio sobre uma cidade fantasma. Era uma sensação de vazio, de tédio de falta de calor humano.

 

Agora, passo o Natal, noblesse oblige, com a família nuclear e é o único dia do ano em que  continuo a sentir a minha liberdade coarctada. A civilização parece ter desaparecido. As ruas de qualquer lugar estão vazias de sentido, os carros(poucos)circulam envergonhados, o bulício próprio de um organismo vivo, esfuma-se. Tudo, dizem, vai cumprir esse ritual da Família de forma fechada, escondida, comendo bacalhau e couves, sempre bacalhau e couves ou outra ementa determinada, adorando uma árvore(?) coberta de pedaços de coisa nenhuma. Sei que tradições são tradições e que se colam à nossa pele, sub-repticiamente, sem sabermos bem como. Mas posso garantir que nem sempre assim foi. Ai que nostalgia dos tempos míticos em que as pessoas estavam na rua a jogar à malha ou nas tabernas a jogar chinquilho ou a beber copos de vinho. E o menino acabado de nascer e cansado de visitar tantas chaminés, dormia a sono solto nas quentes palhas de  um estábulo sempre aberto.

 

MG

 

PS  Um Bom Natal, com o seu verdadeiro espírito prolongado pelos dias dos dias.