Crónicas improváveis
E se uma desconhecida o cumprimentar?
Todos os humanos são iguais. O ser humano é vaidoso. Logo, mesmo que alguns sejam mais iguais que outros, os humanos são vaidosos. E são-no muito particularmente no culto da imagem. É por isso, que quando começam a ficar carecas recorrem aos tratamentos capilares. Veja-se o caso Berlusconi. É por isso, que quando são roubados pelo criador na estatura física, recorrem a sapatos de sola alta. Veja-se o caso Sarkozy, mais plenamente justificado, para não ter de olhar a Bruna de baixo para cima. Quando lhes é sonegada pelo criador alguma inteligência (senão toda) recorrem a suplementos para concluir o curso. Veja-se o caso Relvas. Isto para não falar de damas que usam botox ou fazem plásticas. São exemplos que transitaram em julgado e estão a fazer escola.
Como sou humano, não tenho vergonha em assumir a minha quota de vaidade. E não tenho pejo em assumir o desafio que o criador me colocou, quando me fez à imagem, muito distorcida, do Adónis. Tem sido uma longa luta com recurso a todos os truques inventados. Todos é um exagero, pois nunca recorri aquelas promessas que por aí circulam, para fazer crescer todos os membros do corpo. Traço o meu limite e não dou para esse peditório. O certo é que consegui melhorar e muito. Hoje até posso dizer, que como o vinho, quanto mais velho melhor. E digo-o com saber de experiência feito, pois todos os dias sou posto à prova.
Ainda ontem ao deslocar-me à Biblioteca Nacional ,fui cumprimentado com um grande sorriso por uma dama ocasional que comigo se cruzou. Como não podia deixar de ser, retribuí, já que assim manda a boa educação. Pouco depois, ao sair da Faculdade de Letras, volto a ser cumprimentado por outra desconhecida dama. Duas num curto espaço de tempo é obra. Ainda pensei que fosse confundido por algum político famoso pela primeira, já um pouco gasta pelo tempo, mas utilizável ou por algum star da tv pela segunda, uma jovem morena, muito morena mesmo, para bom entendedor e para não ser chamado de racista. Mas pensando bem, nem uma coisa nem outra me parece provável. Por exclusão de partes só resta uma explicação: estou a ser recompensado pelo trabalho no aperfeiçoamento da imagem. Seja como for presunção e água benta cada um toma a que quer.
Há dias em que se toma tanta água benta que até parece que imbecilizamos. E até temos a sensação que fomos contagiados pela imbecilidade do governo, mas essa tem uma explicação lógica e que só pode ser genética. De facto, que sentido faz estar para aqui a arengar sobre os fait divers de um cidadão anonimamente comum. Mas se assim não for, então arengo sobre o quê? Política? Está tomada por especialistas estrategicamente colocados? Economia? São tantas as sentenças que se confundem com os gelados. Cada cor seu paladar. Paladar por paladar, prefiro lambuzar-me com um bom acepipe, se possível na companhia de uma desconhecida que me cumprimentou. Porque isso é impulso e a vida são três dias. E com ou sem presunção devo à boa imagem. E, além disso hoje é domingo, dia de agradecer ao criador as justas recompensas. Sobre as agruras da puta da vida, amanhã penso nisso.
MG