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Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Nação valente, ao sul

Odeleite Cabeça do dragão azul

Comer é uma necessidade, mas comer ainda não é um direito. Há quem coma muito, quem coma pouco  quem não coma nada e até há quem porque nunca soube o que era não comer, ignore a situação. Lembro-me, a propósito, da infeliz guilhotinada rainha Maria Antonieta que confrontada com descamisados que frente ao seu palácio pediam pão terá dito: "se não têm pão, porque não comem croissants".

 

Há dias passei por Aveiro, essa bonita cidade portuguesa (mais uma) onde se oferece boa comida e para os mais gulosos uma excelente doçaria, com relevância para os famosos ovos moles. Este era um dos prazeres que pretendia usufruir nesta passagem pela cidade dos canais. Era mas não foi. Um daqueles imprevistos que de um momento para o outro mudam o rumo das coisas alterou esta pretensão.

 

Aconteceu quando voltei ao carro estacionado numa rua pacata de um bairro residencial para recuperar uma agenda esquecida. Foi aí que fui cumprimentado por um desconhecido que parou no local onde me encontrava. Era um homem, nem velho nem novo, nem alto nem baixo, mais magro que gordo, nem mal nem bem vestido e que segurava um telemóvel. Respondi ao cumprimento. "Sabe dizer-me onde posso encontrar uma instituição de apoio social qur forneça comida? Eu sou da Figueira da Foz, vim procurar trabalho, mas nada..."; "não sei pois também não sou de cá" respondi; "mas podia ajudar-me com alguma coisa", retorquiu. Na dúvida sobre a autenticidade da situação prefiro ajudar porque sou coração de manteiga e não quero ficar com culpas na consciência. Abri a carteira para lhe dar umas moedas. Verifiquei que não as tinha. Vislumbrei uma nota de dez euros mas achei que era muito dinheiro para entregar a um desconhecido. Pensei que poderia estar a ser vítima de "golpe" como tantas vezes acontece. Tive de decidir rápido. Olhei o homem cujos olhos estavam cheios de lágrimas e disse: "desculpe mas não tenho dinheiro trocado". O desconhecido que queria comer afastou-se em silêncio. Eu segui-o até ao fim da rua, entrei num estabelecimento onde troquei uma nota. Quando saí já se tinha afastado e dobrava uma esquina. Pareceu-me que caminhava em passo decidido e rumo certo. Fiquei mais aliviado.

 

Atravessei uma ponte da ria indiferente à sua beleza, indiferente aos barcos moliceiros, agora mais "turisteiros", indiferente às muitas turistas com guia de viagens. Entrei num restaurante económico para comer meia dose de uma refeição frugal. Embora rodeado de pessoas senti-me só e perdido numa labirinto de angústia e de desvairados pensamentos. Foi assim que penso ter percebido Pedro Passos Coelho. "Estar desempregado pode ser uma oportunidade" (disse ele) para não comer (digo eu). Menos despesa, menos importações. Bate certo." Não podemos ser piegas, (disse ele) não podemos?" (pergunto eu)

 

Zarpei de Aveiro. Adeus ria, adeus ovos moles, adeus moliceiros, goodbye, arrivederci belas turistas. Como no filme realizado por Fleming, tudo o vento levou. Tudo menos esta angústia desencadeada pelo estranho que queria comer. Independentemente da autenticidade da situação, não sei, não posso e não tenho mandato para acabar com as injustiças do mundo, mas não consigo ficar-lhe imune. E sei que não estou sozinho. Acredito que bastava um pouquinho mais de igualdade na distribuição da riqueza para que elas desaparecessem. Bastava um pouquinho mais, só um pouquinho mais, para que o direito à alimentação não tivesse que ser um acto de caridade. Bastava um pouquinho mais, para que a beleza das nossas cidades fosse mais bela.

 

MG

 

 

 

 

 

 

 

  

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