Abaixo o bem-estar
Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar.Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta ao jantar. Abaixo o Bem-estar.
Lobo Antunes, Crónica (Visão)
O consumo é o alicerce da economia moderna. O consumismo, por sua vez estimula e suporta a produção e o crescimento. O sistema produtivo garante o emprego que sustenta o consumo. Em termos simplistas este é o ciclo do sistema capitalista. A diminuição do consumo funciona como um tsunami que faz ruir a estrutura económica em que assenta o sistema.
A apologia do consumo, associada ao sistema de crédito, permitiu um crescimento económico sustentado e garantiu o desenvolvimento da sociedade do bem-estar. As assimetrias sociais foram-se esbatendo. A globalização foi progressivamente generalizando o crescimento e alargando os benefícios do bem-estar às regiões menos desenvolvidas do mundo.
Uma crise de contornos meramente especulativos abalou os alicerces do sistema. Como reagiu a classe dirigente? Em vez de cortar cerce a raiz do problema, permitiu que ele crescesse como erva daninha. Começou por fazer o diagnóstico errado. Atribuiu as culpas ao consumo de uma forma geral e aos gastos excessivos das nações de uma forma particular. A receita confundiu-se com uma sentença sem direito a defesa: os povos têm que baixar os seus rendimentos e os países são obrigados a pagar em curto espaço de tempo as dívidas de dezenas de anos. Esta política em vez de corrigir a crise , alimentou-a e desenvolveu-a a favor dos usurários.
Os países de economias mais frágeis e mais periféricas são as mais atingidas. Em Portugal os políticos que nos governam, mais papistas que o Papa, assumiram o mesmo erro de análise e enveredaram por uma política de terra queimada. A solução que estão a aplicar reduz-se a cortar, reduzir, empobrecer. O bem-estar das populações foi um pecado capital ou do capital. Agora é preciso corrigir essa "desbunda". Cortar , reduzir, empobrecer. Estamos a regredir ao tempo dos "pobrezinhos mas honrados" ou "pobretes mas alegretes". Quanto mais fome mais esperança no Além. Afinal o Paraíso não é aqui. Sinal dos tempos : "abaixo o Bem-Estar".