Parêntesis histórico
Eis a prova:o que aqui escrevo é real
Num parêntesis à rotina do dia a dia rotineiro (passe o pleonasmo) tudo pode acontecer. Planear, por exemplo, uma actividade e acabarmos por ser devorados ( em sentido figurado) pelo próprio parêntesis. Foi o que me aconteceu neste domingo: queria fazer um parêntesis no espaço e acabei preso num parêntesis do tempo.
Torres Novas, ano 2012, Março 24. Rio Almonda. Casario. Ruas. Gente. Um castelo. Um restaurante. Uma ementa em escrita tão vernácula, que
antecipa já um novo acordo ortográfico. Uma refeição de “xocos” muito mal-amanhada.(será que confundi com chocos) Talvez devesse ter pedido “burrego”. Enfim, tudo normal, até que num passeio pelo castelo e numa pequena distração caí (não perguntem como que não sei) num buraco do tempo.
Torres Novas ano de 1438. Cortes para discutir a sucessão de el-rei D. Duarte. Agora sou Afonso, príncipe herdeiro, tenho seis anos e fui entronizado como rei menor. Sou rei mas não posso reinar. Nem sei... À minha direita está sentada a senhora minha mãe, a amada rainha Leonor. À minha
esquerda senta-se o senhor meu tio, infante D. Pedro. À nossa volta vêem-se os homens mais importantes de todo o reino. Caras sisudas, algumas assustadoras até. Após a morte prematura de Vossa senhoria, o senhor meu pai, dizem-me que tenho de me portar como um homem. Procuro cumprir. Mas não consigo. Não me sinto bem aqui. Fecho os olhos e vejo os moços que brincam no pátio. É ali que eu quero estar…
Durante muitas horas, os representantes dos homens do reino, discutem quem deve reinar até eu fazer catorze anos. Alguns nobres querem a
senhora minha mãe como regente, mas a maioria inclina-se para meu tio, o senhor D. Pedro. Eu assisto sem direito a opinião. Ainda bem, pois não saberia o que dizer. Não sei ler nem escrever e não entendo o que são leis. Por isso para aqui estou, sentado, apenas um espectador. Vejo-me a correr com o meu alão pela encosta do castelo e a refrescar-me nas águas frescas do rio ou a passear no alegre bulício da feira. Ou a cavalgar pelos campos com o meu aio e o pajem. Gosto de ver os camponeses a trabalhar a terra. De observar o voo dos pássaros.Ouvir as suas belas cantorias.
Finalmente chegaram a um acordo. Que alívio! A regência será repartida entre a senhora minha mãe e o senhor meu tio. Deverão realizar-se Cortes todos os anos. Sou rei mas nada posso mandar. Só quero que me devolvam os meus dias de brincadeira e coisas simples. Só quero ficar longe deste mundo estranho em que me obrigam a viver.
Saí do buraco do tempo no instante (como nos filmes de Indiana Jones)em que podia ficar aprisionado para sempre nesta infância sem infância. Volto a controlar este parêntesis. Mergulho nas ruas calmas em direcção ao rio. Há ali uma feira de antiguidades. Objectos antigos, pesados livros de História, actas das Cortes. Mas o que perdura na minha mente é a imagem do rei menor a correr pelas ruas, pelas margens do rio, pelos campos... livre…
MG