Parêntesis IV (porque hoje é domingo)
Este parêntesis não está fácil. Deu-me uma estranha apatia (sem explicação) mas perfeitamente inserida na apatia geral que domina o país. Foi aí que algo me disse: reage rapaz (rapaz é apenas uma força de expressão) e aproveita o dia e este sol radioso, esta luz fantástica, dá corda aos calcantes, enfia a boina basca para dar estilo (embora feita na bela Galiza) e usufrui desta bênção da natureza. É isso mesmo, de apáticos (e talvez até de incompetentes) está o governo cheio e não me quero confundir com essa gente. Atirei-me então à liberdade das ruas, à beleza da arquitectura, à leveza da fumaça diesel dos carros apressados, mas por pouco tempo. Uma brisa discreta que me fez lembrar Rui Veloso (para mim hoje é Janeiro está um frio de rachar) começou a enregelar-me e aí sem mais nem porquê vi-me no ambiente acolhedor de um Corte Inglês (assim não podem dizer que é publicidade).
Ainda pastei os olhos pelos livros, ainda me cruzei, fugazmente, com a Anatomia dos Mártires de João de Tordo (com a martirizarão colectiva que para aí vai não é aconselhável) mas a minha atenção prendeu-se nos cartazes dos filmes em exibição. Perdido por cem perdido por mil. Porque não acabar o dia no escurinho de uma sala de cinema embrenhado no mundo das ilusões (o real só nos traz tristezas). Começa então a angústia de escolher a fita entre tanta oferta. Estive vai não vai a ir à "minha semana com Marilyn" o que até não seria mau, mas pouco provável ( numa próxima encarnação tendo ela recuperado aquela beleza inocente e sendo eu premiado com um embrulho mais atraente, quem sabe) . Depois ainda me entusiasmei pela "gruta dos sonhos" (convém esclarecer que não é sobre erotismo, mas sobre um passado longínquo e preso nas paredes de uma gruta) mas seria mergulhar no tempo mítico da pré-história quando a humanidade ainda dava os primeiros passos na aquisição da inteligência( e como há muitas parecenças com os dias que correm não me pareceu adequado).
Adiante que se faz tarde e tenho de acabar esta crónica. Acabei a ver "Ano novo, vida nova, comédia romântica que é uma celebração do amor, o perdão, a esperança, as segundas oportunidades e os recomeços, em histórias entrelaçadas de casais e de solteiros" (coisas que só acontecem no cinema, graças a Deus). Diverti-me, apesar de não conseguir ver a história plenamente. Acontece que à minha frente estava um casalinho de roedores de pipocas, mais interessados nas ditas e em trocar mimos, do que em ver o que se passava no ecrã. Houve até uma altura, em que os seus braços se descoordenaram, choveram pipocas pela sala e por pouco não fui atingido( pelas pipocas, não pelos mimos (isso enfim)). "En fim" um espectáculo dentro do espectáculo. Até foi bem feito, por acreditar em sugestões de "algo" e não ficar na doce apatia do lar. Estava escrito que este seria um parêntesis difícil e ninguém foge ao seu destino.
MG