Parêntesis (porque hoje é Domingo)
Foi uma semana dura. E quando a coisa parecia compor-se com a assinatura do Acordo para a Exploração com o homem dos pastéis, cai-nos em cima a situação preocupante do nosso Presidente da República: uma reformazinha de alguns milhares de euros que não dão para as despesas, apesar de usufruir de cama, mesa e roupa lavada. Para não me angustiar mais, para a semana penso nisso. Como hoje é Domingo vou fazer um parêntesis e aproveitar este abençoado dia de Sol. Porque já dei muito para esse peditório, nem amarrado me apanham num Shopping,. nem numa livraria( e livros, népia e escritores, puf). Vou mesmo é respirar ar livre (já que ar puro é conversa)
Ao acaso vi-me na baixa de Lisboa a calcorrear as calçadas do Chiado. Aproveitei até para me encontrar com a minha amiga Lu (ex-colega de curso e quase conterrânea quanto ao local de origem). Encontramo-nos sempre em Janeiro, para trocar as prendas de Natal (nunca percebi porquê). Quando cheguei à esplanada da Brasileira já lá estava a Lu com o seu cabelo prateado de cor natural (parece que é agora moda entre as jovens pratearem-no) e com o seu ar doutoral ( com toda a propriedade pois doutorou-se nos poderes na velha Assíria). Sentei-me, bebemos um café, pusemos a conversa em dia (falamos da vida, da crise, da família…). Insignificâncias.
Entretanto o meu olhar e a minha mente desviaram-se para uma figura silenciosa de óculos redondos e bigode, sentado numa mesa ao lado. Mas de onde é que o conheço, pensei, enquanto a Lu continuava a arengar. Pois claro que o conheço, é o Pessoa, sem tirar nem pôr. Pensamento não era concluído, já se sentava numa cadeira ao seu lado, uma turista de calção e t-shirt e com umas grandes tranças louras. Tirada a foto para sempre recordar, outra se sentou perante o ar impávido do nosso bardo, no seu corpo de pesado e eterno bronze. E se na sua mensagem foi capaz de profetizar Portugal,
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fatuo encerra.
Ninguem sabe que coisa quere.
Ninguem conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ancia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
nunca imaginou esta função de modelo fotográfico ao lado de tantas Ofélias, que só gozou em espírito quando vivia num corpo de carne e osso. É a hora disse, desenquadrado da conversa, perante o espanto da Lu: é o quê? É a hora, disse voltando à realidade, de trocarmos as prendas, antes que nos proíbam o Natal.