Aniversário
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
A noite era escura e tinha estrelas abraçadas pela lua,
Os pássaros voavam em bandos por cima dos trigais,
Espantando os insectos parasitas.
Os galos cantavam sempre de madrugada anunciando o sol
Que amadurecia as searas,
No Tempo em que festejavam o dia dos meus anos.
Corria pelos campos enlameados pela brisa matinal,
Mergulhava livre nos pegos enxameados de cardumes ,
Corria atrás da bola de farrapos em relvados de terra escura
E pontapeava a vida com candura.
Eu era feliz e ninguém estava morto
Aprendia nos longos serões
A vida vivida e a esperança do devir de ser alguém,
Aprendia na cartilha maternal o passado reflectido no presente
Para ser homem português e cidadão,
Porque
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos
Nas feiras de tendinhas animadas por ousados carrosséis,
Nos bailes de concertinas afinadas em concertos de desafinação,
Arrastavam-se pesados pés em ladrilhos poeirentos de ilusão,
Sapatos de homem beijando os de mulher.
Crescia mais um palmo em cada dia,
E a alegria de todos e a minha estava certa como uma religião qualquer