Literatura de cordel - fascículo IV
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António Simplesmente.
-Bom tarde, minha mãe...
-António, que surpresa, não te fazia por cá?
-As saudades são maiores que a vontade, os desejos mais fortes que as obrigações. Pelas vicissitudes da vida sou um bicho de cultura. Pairo no etéreo da reflexão mas as minhas raízes estão aqui na terra mater, no bucolismo da natureza, no cantarolar das águas correntes, no balançar dos choupos, no coaxar das rãs nos charcos...
-Como falas bem meu filho, enches esta tua mãe, sem sabedoria, de satisfação. Não passo de uma serrenha que apenas conhece as palavras pobres e tenho dificuldade em perceber o que dizes, mas que é bonito é. Mas fala-me da tua nova vida no Colégio.
-A vida ali é monótona, quer dizer enfadonha, melhor um pouco chata...eheheh...acho que estou a melhorar do que chama falar complicado, mas estou bem, rodeado de muitos livros que leio e releio na ânsia de aprender o mundo por outros olhos. Também vou dando umas aulas aos jovens do Colégio. Atrevo-me a dizer que não me falta quase nada, a não ser mesmo o quase. De facto, a minha vida parou numa encruzilhada sem saídas. Por isso vim pedir conselho a quem tem a sabedoria da vida e o curso da dura experiência. venho cansado da viagem de horas a moer os ossos por essas estradas de tortura e preciso de relaxar nesta paisagem da minha meninice. Mas diga-me, como vão as coisas por cá?
-É a labuta de todos os dias meu filho. Tem que se arrancar da terra, com muito suor, a nossa sobrevivência. Ganhamos o pão de cada dia em cada dia e damos graças a Deus por nunca nos faltar a comida na mesa. Olha, vou preparar o um jantar como tu gostas e precisas. Estás com um ar de poucos amigos.Tens-te alimentado bem?
-No colégio servem-me todas as refeições no meu quarto, às vezes na companhia de dois padres professores, que me ajudam a sair um pouco da minha solidão , quase natural. Quando estou só vêem-me as saudades de todos vós e penso na singeleza da vida campestre. Muitas vezes regresso à infância que é onde me sinto bem, e vejo-me a andar pelos campos a ver crescer as hortaliças, a lanchar na casa da madrinha D. Efigénia. A propósito como está a menina Maria Eugénia(?), há muito tempo que não a vejo.
-Ocupem os vossos lugares na mesa: a chanfana está quase pronta...
-Ó Zé despacha-te com o vinho.
-Este é de boa cepa, foi-me oferecido pelo senhor Joãozinho. É da vinha touriga nacional da ladeira do pego. Está sempre reservado para as visitas do António.
-Ó homem, e não te esqueças que está também reservado para a cozedura da minha chanfana, pois depois de pôr a carne de cabra entre camadas de cebola e alho e louro é tudo regado com o bom vinho dos compadres e cozido em lume brando e panela de barro como covém.
-Que dizem, minhas irmãs? O dedo da mãe para a cozinha continua viçoso. Quem me dera tê-la sempre comigo. De certeza que estaria bem mais anafado.
-Mano António tu precisas é de uma cozinheira mais nova. Olha que foi a Felismina, que nos trouxe esta receita a pensar na tua saúde...
-Bem Rosarito, falemos de coisas bem sérias e que me trouxeram aqui. Como todos sabem recebi ordens menores no Seminário, mas neste momento ainda não tenho idade para continuar os estudos eclesiásticos. Neste interregno tenho pensado muito se terei vocação para vir a ser padre. Tenho, também discutido o assunto com o Reitor nas nossas conversas de serão e a verdade é que tanto ele como eu concordamos que esse não deve ser o meu caminho. Achamos que Deus me reserva outra missão bem mais espinhosa, mas gostaria de ouvir os vossos sábios conselhos, antes de tomar qualquer decisão.
-(...) Nas noites longas de inverno em que o sono teima em andar arredio, tenho falado com o teu pai o que será melhor para o teu futuro e principalmente para a tua felicidade. Com muita franqueza achamos que o sacerdócio não te entusiasma, sentimos-te triste e acabrunhado e pensamos que serias mais feliz se constituísses uma família...mas que pretendes fazer?
Que resolverá António Simplismente? Enveredar pelo sacerdócio ou lançar-se na incógnita da aventura da vida?
MG
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